Brasil: A Reforma Administrativa acaba com os serviços públicos

América do Sul/Brasil/03-09-2021/Autor: Mário Junior/Fonte: sinasefe.org.br

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Brasil: Nota de Repúdio às Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica

América do Sul/Brasil/22-01-2021/Autor: Mário Junior/Fonte: sinasefe.org.br

No dia 5 de janeiro de 2021, foi publicada pelo DOU a Resolução CNE/CP nº 01-2021 que dá nova forma e conteúdo às Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional e Tecnológica (DCNEPT) aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação. Esse conjunto de diretrizes vem completar o conjunto de instrumentos legais e normativos que instituem a contrarreforma do Ensino Médio, desencadeada a partir da MPV nº 746/2016, convertida na Lei nº 13.415/2017. Ainda integram essa contrarreforma as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM – Resolução CNE/CEB nº 03/2018), a Base Nacional Curricular Comum (BNCC – Resolução CNE/CEB nº 04/2018) e a quarta versão do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT – Resolução CNE/CEB nº 02/2020).

Inicialmente, é fundamental explicitar o contexto de recrudescimento da ideologia neoliberal em que ocorreu a gênese dessa contrarreforma. Apesar de alguns antecedentes, o principal marco é o processo de golpe em curso contra a sociedade brasileira desencadeado a partir de 2016, cujo objetivo é reconfigurar o Estado visando a torná-lo ainda “mais mínimo” para a garantia dos direitos sociais e “mais máximo” na regulação dos interesses do grande capital nacional e internacional, especialmente o capital financeiro (especulativo), tendo como primeiro ato o impedimento da presidenta Dilma Rousseff. Do ponto de vista do golpe, essa foi uma medida imprescindível às ações subsequentes, todas coerentes com esse objetivo, dentre as quais destacam-se: Lei nº 13.365/2016, que altera o marco regulatório da exploração de petróleo do pré-sal; Emenda Constitucional nº 95/2016, que congelou os investimentos nas áreas sociais por vinte anos; Reforma Trabalhista; Reforma da Previdência, dentre outras, incluindo a própria contrarreforma do Ensino Médio.

Esse quadro, já extremamente grave, de avanço do ultraliberalismo econômico engendrado a partir de 2016 sofre uma inflexão para pior, quando, a partir de 2019, agrega-se o ultraconservadorismo de costumes, que também incorpora o negacionismo da ciência e a tecnocracia militarista. Essas forças nem sempre estão de mãos dadas, mas têm um projeto comum em torno do qual se unem: atacar os direitos sociais arduamente conquistados ao longo do tempo pela classe trabalhadora mais empobrecida deste país e, ao mesmo, a regular os interesses do capital.

A contrarreforma do ensino médio em seu conjunto, e, em particular, das DCNEPT (nesta análise também se inclui o Relatório do Parecer CNE/CP nº 17/2020, que deu origem a essas diretrizes), pode ser sintetizada pelo direcionamento a uma completa fragmentação da etapa final da educação básica, privando os filhos da classe trabalhadora mais empobrecida do acesso aos conhecimentos produzidos e acumulados pela humanidade e, ao mesmo tempo, promovendo sua privatização via parceria público-privado que, na prática transfere recursos públicos à iniciativa privada para que ela, de um lado, defina a concepção de ensino e, de outro, oferte ou gerencie (administre, avalie e controle) a educação que será proporcionada à população.

No caso específico das DCNEPT, seu sentido geral é coerente com toda a lógica até aqui explicitada, diante do que passamos a destacar alguns dos aspectos bastante preocupantes que se configuram como ataques ao direito de todos à educação básica e profissional de qualidade socialmente referenciada.

O texto das DCNEPT carece de consistência teórica, pois o que o marca é a indefinição ou oscilação no que se refere às concepções educacionais que apresenta, situando-o no âmbito das críticas acadêmicas dirigidas a documentos oficiais relativos às reformas da década de 1990 (decreto 2208/1997, por exemplo). Uma dessas críticas, apoiada em Bernstein, chama a atenção para os processos de recontextualização que tendem a se fazer presentes no campo da produção curricular, entendida como produção cultural, na forma de híbridos, ou seja, de proposições produzidas pela hibridização de discursos curriculares distintos, os quais propõem articular, como se apoiados na mesma referência teórico-epistemológica, matrizes teóricas (políticas) de natureza diversa.

Assim, expressões e conceitos do referencial crítico, como “trabalho como princípio educativo”, “pesquisa como princípio pedagógico”, “formação humana integral”, “integração entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura como eixos estruturantes da formação humana”, “mundo do trabalho”, são utilizados juntamente com expressões e conceitos próprios do pensamento neoliberal, como “competências para a laborabilidade”, “empreendedorismo”, “protagonismo”, “competências socioemocionais”, “empregabilidade”, “mercado de trabalho”, dentre outros. Apenas como exemplo, pois isso é recorrente ao longo do texto das DCNEPT, transcrevem-se, abaixo, os incisos IV e V do “artigo 3º. São princípios da Educação Profissional e Tecnológica”. Sobre tal questão, considere-se que o uso de termos originados em campos opostos teórica e politicamente não ocorre por equívoco de quem o produziu, mas com a clara intencionalidade de distorcer, propositalmente, os conceitos para dificultar a interpretação por parte do leitor pouco atento ou com pouco domínio sobre eles.

IV – centralidade do trabalho assumido como princípio educativo e base para a organização curricular, visando à construção de competências profissionais, em seus objetivos, conteúdos e estratégias de ensino e aprendizagem, na perspectiva de sua integração com a ciência, a cultura e a tecnologia;
V – estímulo à adoção da pesquisa como princípio pedagógico presente em um processo formativo voltado para um mundo permanentemente em transformação, integrando saberes cognitivos e socioemocionais, tanto para a produção do conhecimento, da cultura e da tecnologia, quanto para o desenvolvimento do trabalho e da intervenção que promova impacto social.

Tal uso combinado desse conjunto de conceitos e expressões francamente antagônicos, ao operar com vários hibridismos que estabelecem uma ambiguidade, visa ocultar as verdadeiras contradições internas do seu conteúdo, fazendo parecer que tais diretrizes contemplariam práticas educacionais distintas. Todavia, no fundo se apropria de formulações avançadas para submetê-las aos seus eixos centrais que são: a privatização, a fragmentação e o barateamento da educação básica e profissional e a desqualificação do ensino público com vistas a seu esvaziamento como direito social e sua transformação à condição de mercadoria.

A Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM), segundo as DCNEPT, pode ser proporcionada de forma integrada, concomitante, concomitante intercomplementar e subsequente ao ensino médio. O texto prioriza, claramente, a forma concomitante, o que, por si só, já representa forte ameaça à continuidade da construção do Ensino Médio Integrado (EMI) como perspectiva formativa fundamentada na politecnia, na omnilateralidade e na escola unitária que convergem para uma concepção de formação humana integral do cidadão. Não obstante, ao analisar a proposta da forma integrada constante nas DCNEPT, constata-se sua total incoerência e antagonismo com o EMI que vem sendo construído tendo como base a concepção acima mencionada – formação humana integral.

Sobre o modelo de organização curricular, segundo as DCNEPT, é a BNCC seguida do itinerário Formação Técnica e Profissional que corresponde à forma integrada de articulação entre o ensino médio e a EPTN. Não obstante, uma análise não muito aprofundada permite concluir que não há compatibilidade alguma entre a concepção de EMI e o que as DCNEPT apresentam como sendo a forma integrada.

A fragmentação dos processos formativos é explícita, principalmente, em:

Art. 15. A Educação Profissional Técnica de Nível Médio abrange:
I – habilitação profissional técnica, relacionada ao curso técnico;
II – qualificação profissional técnica, como etapa com terminalidade de- curso técnico;
[…]
§ 2º A qualificação profissional como parte integrante do itinerário da formação técnica e profissional do Ensino Médio será ofertada por meio de um ou mais cursos de qualificação profissional, nos termos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) desde que articulados entre si, que compreendam saídas intermediárias reconhecidas pelo mercado de trabalho. (grifos nossos)
Art. 23. O planejamento curricular […] é definido pela explicitação dos conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e emoções, compreendidos nas competências profissionais e pessoais, que devem ser garantidos ao final de cada habilitação profissional técnica e das respectivas saídas intermediárias correspondentes às etapas de qualificação profissional técnica; […].

Nos artigos 15 e 23, acima transcritos, explicita-se essa fragmentação. Em primeiro lugar, o itinerário Formação Técnica e Profissional alberga dois tipos de formação: habilitação mediante conclusão de um curso técnico de nível médio, Formação Técnica, conforme CNCT; habilitação por meio de um conjunto de cursos de qualificação profissional, regulados pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), Formação Profissional. Nessa Formação Profissional, o estudante receberá certificação de conclusão de ensino médio, mas não será técnico de nível médio, porém detentor de um conjunto de qualificações de curta duração desarticuladas entre si e completamente fragmentadas. Mas, o problema da fragmentação também está presente na habilitação Formação Técnica, conforme explicitado no artigo 23 ao mencionar as saídas intermediárias. Ou seja, a própria habilitação técnica será organizada de forma fragmentada.

Além disso, a prática profissional, elemento estruturante do processo formativo teórico-prático, quando inserida no contexto de uma oferta não presencial, como é autorizado pelas DCNs, perde seu sentido humano-operacional ao permitir que os educandos se formem numa profissão sem vivenciarem o sentido ontocriativo do trabalho. A combinação da EPT com a EAD possibilita, ainda, o barateamento da oferta da educação profissional que prescindirá de infraestrutura, podendo reduzir-se ao uso de vídeos e simulações sem a participação direta dos educandos no processo de trabalho.

Já o artigo 26 se encarrega de determinar a limitação do acesso dos estudantes aos conhecimentos, ao estabelecer em seu § 1º que:

Os cursos de qualificação profissional técnica e os cursos técnicos, na forma articulada, integrada com o Ensino Médio ou com este concomitante […] terão carga horária que, em conjunto com a de formação geral, totalizará, no mínimo, 3.000 (três mil) horas […] garantindo-se carga horária máxima de 1.800 (mil e oitocentas) horas para a BNCC […].

A limitação de carga horária da BNCC (máximo de 1800 horas) e sua natureza conceitual e epistemológica empobrece e corrói a educação geral antes prevista como conjunto de conhecimentos do ensino médio, impedindo que seu conteúdo ofereça a compreensão dos fundamentos científicos da produção moderna. Este é um dos problemas extremamente graves, pois limita diretamente o acesso dos estudantes aos conhecimentos ao adotar como referência não um mínimo, mas um máximo de carga horária. Assim, a racionalidade que emana na norma é de que há um máximo de conhecimentos a serem adquiridos e que o cidadão não pode ir além daquele teto, o que, evidentemente, somente se aplicará, na prática, aos estudantes provenientes dos fragmentos da classe trabalhadora. É óbvio que os filhos dos estratos mais bem aquinhoados não estão abrangidos por essa restrição.

Outro aspecto estarrecedor das DCNEPT é a defesa incondicional da atuação dos “profissionais com notório saber” no itinerário formativo “formação técnica e profissional” e a compreensão assumida sobre o perfil desses profissionais, quando comparados aos professores que atuam na educação básica. O Relatório do Parecer CNE/CP nº 17/2020, o qual deu origem às DCNEPT, defende que os estudantes do ensino médio que cursarem o itinerário Formação Técnica e Profissional terão dois perfis de professores bem distintos. Os professores da BNCC terão a função de “formação geral do estudante”, enquanto os profissionais que atuarão no itinerário devem prepará-los para saber trabalhar em um contexto profissional cada vez mais complexo e exigente de qualificação profissional demandada pelo mercado de trabalho.

Acrescenta ainda que:

Ao admitir a possibilidade de reconhecimento do notório saber aos docentes que atuam na formação técnica e profissional, sana uma dívida histórica em relação à EPT, ao reconhecer que a formação profissional se baseia em saberes que não estão necessariamente vinculados aos respectivos níveis de ensino.
Não se trata de uma relação necessária com nível de escolaridade; mas sim de dispor das competências necessárias para desenvolver nos estudantes as capacidades técnicas atinentes a um determinado perfil profissional (p.16).

A racionalidade assumida é de que não existe integração entre ensino médio e EPTNM, ratificando o que já foi afirmado anteriormente: a prioridade é pela concomitância em detrimento do EMI. Além disso, defende que o professor do itinerário “formação técnica e profissional” não tem responsabilidade no que concerne à formação integral dos estudantes, mas, apenas, com a preparação instrumental para um determinado posto de trabalho demandado pelo mercado. Como se não bastasse, induz o leitor à ideia de que o docente desse itinerário, além de não precisar ser formado como tal, sequer precisa ter nível superior, mas, apenas, “dispor das competências necessárias para desenvolver nos estudantes as capacidades técnicas atinentes a um determinado perfil profissional”. O que nega, radicalmente, a profissão docente e ratifica a precarização da formação dos estudantes já discutida anteriormente, em coerência com o modelo da competência.

Na verdade, no atual contexto nacional já caracterizado, ainda que de forma breve, na parte introdutória deste documento, a proposta é a de privatizar todo o setor público. Portanto, vai muito além da esfera educacional. Ao país está sendo imposta uma nova onda de privatização em todos os espaços da ação do estado. Por isso, abrange, inclusive, todos os níveis, etapas e modalidades educacionais. Ou seja, da educação infantil à pós-graduação stricto sensu, o que, evidentemente, inclui a EPT.

Entretanto, na educação, em geral, e na EPTNM, em particular, a estratégia privatizante preferencial não está sendo a forma direta: criação de novas empresas privadas para competir no mercado pela captação de alunos-clientes. Ao invés disso, a opção preferencial do mercado educacional está sendo a captação do fundo público, onde quer que se encontre, por meio de parceria público-privada para proporcionar, inclusive, a própria oferta educacional pública. Dessa forma, avança uma espécie de privatização endógena, onde a própria oferta pública é fortemente influenciada pelos interesses da iniciativa privada.

Nesse sentido, as DCNEPT se inserem integralmente nessa racionalidade. Ao longo do texto são recorrentes expressões que se referem às parcerias público-privadas, sob o argumento de otimizar a utilização da capacidade instalada existente na esfera privada, a qual pode ser disponibilizada ao setor público, quando, na verdade, o objetivo privatista é, ao mesmo tempo, acessar, o máximo possível, os recursos advindos dos impostos e, cada vez mais, garantir que a concepção de formação humana que alcançará a população seja aquela que lhes interessa: educação subordinada aos interesses do mercado. Fortalecendo, portanto, a educação para o mercado e o mercado da educação.

No Brasil, ao contrário do que os representantes governamentais e empresariais têm declarado à imprensa, as mudanças educacionais impostas não contemplam nem mesmo a formação de mão-de-obra qualificada para o mercado. O descaso com a educação pública parece expressar a ausência de demandas socioeconômicas por produção de ciência e tecnologia em país cuja economia se especializa em criar empregos e/ou ocupações de baixa qualificação (com a destruição permanente de cadeias produtivas, o declínio da participação da indústria de transformação, em especial a metal – mecânica no PIB).

A nova inserção do Brasil na divisão internacional do trabalho privilegia setores primários exportadores, em particular a mineração, agroindústria, construção civil e pesada, e não privilegia o emprego qualificado. Os motores da acumulação concentram-se, ainda, em outros setores que não empregam trabalho especialmente qualificado, tais como o setor de serviços, a indústria financeira, os call centers, isto é, o telemarketing. O enorme desemprego, a flexibilização, informalização e precarização do trabalho têm redefinido as bases sociais da classe trabalhadora, afetando de forma singular o futuro de amplos setores da juventude trabalhadora.

A educação neoliberal dirigida à juventude trabalhadora parece se reduzir à transmissão de conhecimentos operacionais ao exercício de uma ocupação ou atividade considerada socialmente útil, a um presente ao qual custe o que custar o jovem trabalhador deve se adaptar. A conformação de uma nova subjetividade à classe trabalhadora deve suprimir a utopia de sua liberação. Na justa expressão de André Tosel, a época da escola neoliberal é “a da escola desemancipadora” (Tosel, A. Vers l´école désémancipatrice. La Pensée, n. 318, abril-jun 1999, op. cit. Laval, C. A escola não é uma empresa, Londrina: Ed. Plana, 2004, p.42).

Diante dessa breve e preliminar análise das novas DCNEPT no que se refere à EPTNM, conclui-se que é urgente o envolvimento de todas e todos, profissionais da educação, estudantes, familiares, órgãos, instituições, escolas, coletivos, entidades, redes estaduais e municipais, rede federal, etc., que defendam a educação como direito social público, igualitário e universal para, de forma articulada, organizar a resistência à implementação do Parecer CNE/CP n0 17/2020 e da Resolução CNE/CP n0 01/2021, em sua totalidade, pois a racionalidade que os sustenta não permite aceitação ou negação parcial. É essencial refutar, veementemente, o seu todo.

20 de Janeiro de 2021

Abecs
Abrapec
Adufes
Anfope
Anpae
Anped
Campanha Nacional Pelo Direito à Educação
Cedes
CNTE
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Fineduca
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Fórum Estadual Popular de Educação do Paraná
Fóruns de EJA do Brasil
Gepefoppe
Geppef-UFGD
Gepte-UFPA
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Grupo de Pesquisa Estado, Políticas Públicas e Educação Profissional-IFPR
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GTPS-UFRRJ
Lagebes-UFES
Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio
Neddate-UFF
Nete-UFMG
Nuped-IFRN
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PPGE-IFC
PPGEP-IFRN
Rede Nacional Empesquisa
Redeept-BA
Repu
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SBENQ
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Brasil: Carta da Plenária Nacional dos (as) Trabalhadores (as) em Educação

América do Sul/Brasil/06-09-2020/Autor e Fonte: Fórum pelos direitos y liberdades democráticas

Carta da Plenária Nacional dos (as) Trabalhadores (as) em Educação1

Vivemos uma situação de crise do sistema capitalista em todo mundo, seus altos custos são jogados nas costas da classe trabalhadora e do povo pobre. A crise sanitária com a pandemia tem servido de pretexto para avançar a agenda neoliberal, aqui no Brasil assistimos em reunião ministerial a afirmação que o governo deveria aproveitar as mais de 120 mil mortes e mais 3,5 milhões de infectados (as) pelo COVID 19 para passar a boiada, enquanto a população chora e lamenta a perda dos seus entes queridos.

Neste momento podemos destacar como ataque geral a toda classe trabalhadora e ao povo pobre a destruição das políticas sociais e das empresas do Estado, do serviço público e dos(as) servidores(as), denominada Reforma Administrativa, o projeto de lei Future-se de financiamento vida mercado de capitais das IES e o Projeto de Lei Orçamentária Anual encaminhado ao Congresso Nacional pelo Governo Bolsonaro com duros cortes nas áreas socias, em especial o corte de cerca de 25% nas verbas da educação para 2021, em relação ao já precário orçamento de 2020. Nos estados e municípios a situação é similar com cortes e privatizações em curso.

O impeachment do governo Dilma em 2016 aprofundou de forma muito contundente os ataques aos direitos da classe trabalhadora, assistimos na educação: congelamento salarial, redução do número de concursos, intervenções na democracia e autonomia das escolas públicas, redução das bolsas de incentivo à pesquisa e à extensão, reforma do ensino médio que flexibiliza o currículo e reduz disciplinas; no ensino básico se observa a ampliação da precarização dos contratos de trabalho por meio de terceirização, precarização e contratos intermitentes, além de outros ataques se alastram como novas formas de privatização, associadas ao acesso à conexão de Internet e à posse de equipamentos para participação nas aulas virtuais, seja na condição de trabalhador (a) ou da de estudante.

O Ensino Remoto, que está sendo utilizado em vários estados e municípios em todo país, deve ser encarado como provisório e limitado, pois não garante sequer acesso à banda larga, computadores e materiais pedagógicos para a categoria docente e para os estudantes. Via de regra, essa modalidade está sendo usada para criar uma disputa que não existia no início do ano letivo, entre a educação presencial na escola e a educação virtual em casa. Os defensores do neoliberalismo sabem que não pode suprimir as escolas públicas sem resistência e com rapidez, mas estão tentando construir no imaginário social a falsa concepção de que aula remota é o mundo moderno e a escola está ficando obsoleta. O objetivo desse projeto é uma forma não clássica de privatização da educação pública através da entrada de empresas  privadas tecnológicas e a preparação de conteúdos educacionais digitais para o “mercado  educacional”, esta medida vem acompanhada de um desinvestimento sustentado na atualização e formação de professores(as).

A resposta dos(as) trabalhadores(as) em educação, no âmbito internacional, tem sido extraordinária. Mesmo sem apoio ou contrapartida do Estado tem-se assumido por conta própria, com o apoio de seus sindicatos e entidades do ramo da educação a tarefa de se atualizar para enfrentar os desafios pedagógicos atuais. Os educadores de todo o mundo, e não são diferentes os(as) brasileiros(as), são um exemplo digno do compromisso com a continuidade do direito à educação de forma universal, em condições cada vez mais adversas.

Foi com esse espírito que os sindicatos e trabalhadores(as) da educação estão envolvidos, desde o primeiro momento da pandemia em ações de solidariedade, pesquisa e produção de material de EPI e de combate à COVID 19, apesar da falta de qualquer iniciativa do governo.

Com poucas, porém relevantes exceções, os governos vêm apelando de forma irresponsável para o retorno às aulas presenciais, sem previsão de vacina no horizonte e sem condições adequadas de biossegurança, questão que expressa claramente que suas principais preocupações são reativar a economia capitalista neoliberal em crise, isso à custa da segurança e da vida de crianças e trabalhadores(as) da educação.

Porém, a crise atual confirma velhas certezas ao instalar novos desafios. A certeza de que a relação ensino-aprendizagem e a educação de qualidade se sustentam nas atividades presenciais, valorizando mais uma vez o exercício docente, tão vilipendiado pela mercantilização educacional neoliberal. Mas, o retorno à escola de forma presencial não pode ser a realidade naturalizada das desigualdades expressas antes e de forma dramática com a pandemia, afinal anos letivos se recuperam, vidas humanas não.

O atual desafio enfrentado pela geração de trabalhadores (as) na educação é maior que simplesmente garantir o ano letivo 2020, como está sendo aplicado pelo governo Bolsonaro, movimentando-se exclusivamente para garantir os lucros da enorme rede do ensino privado no país. Nossa tarefa é de pensar e construir uma resposta não só para a situação, mas dela traçar um horizonte estratégico que passa inevitavelmente pela construção de uma alternativa pedagógica que sustente uma escola socialmente referenciada nos interesses estratégicos da classe trabalhadora de uma escola popular.

Assumir este desafio da forma mais séria e responsável implica ir além das fronteiras nacionais, pois o que está em jogo é justamente superar a crise de um modelo de educação neoliberal globalizado. Para isso, estamos empenhados(as) na construção do I Congresso Mundial da Educação contra o neoliberalismo e em defesa da Escola Púbica, gratuita, laica e de qualidade, em benefício dos povos e nações, da classe trabalhadora, uma escola feminista, antirracista, antilgbtfóbica, com uma perspectiva emancipadora.

Concluímos com a certeza de que essa plenária nacional dos(as) trabalhadoras em educação não pode deixar de apontar formas de lutas e de organização que nós devemos nos mover no próximo período, por tanto deliberamos:

1) Realizar uma campanha de acompanhamento das Atividades de Ensino Não Presenciais e do trabalho remoto dos(as) servidores(as) docentes e técnicoadministrativos(as). Em defesa que nenhum(a) estudante seja deixado para trás, apoiando as reivindicações estudantis, contra a precarização do ensino e pela garantia das condições de trabalho dos(as) trabalhadores em educação;

2) Fazer uma luta contra o assédio moral que tem aumentado fortemente durante a vigência do trabalho e ensino remotos;

3) Construir de forma unificada com os(as) demais trabalhadores(as) uma grande campanha contra os cortes de verbas nas áreas sociais, em especial a educação, apresentada ao congresso pela proposta de LOA do governo Bolsonaro. Pela revogação a EC 95;

4) Enfrentar o projeto Future-se através de uma ampla campanha que envolva todos os setores afetados;

5) Lutar contra a implementação da Reforma do Ensino médio que reduz carga horária e disciplinas;

6) Buscar a unidade de todos e todas trabalhadores e trabalhadoras em educação na construção da GREVE NACIONAL SANITÁRIA PELA VIDA contra qualquer iniciativa em qualquer local do Brasil da reabertura das escolas de forma presencial;

7) Construir a data convocada pela CNTE de 15 de setembro o DIA NACIONAL DA EDUCAÇÃO EM DEFESA DA VIDA;

8) Construir ativamente a luta encabeçada pelo FONASEFE em defesa do Serviço Público e dos(as) Servidores(as), contra a reforma administrativa, construindo as plenárias estaduais das três esferas dos(as) servidores(as) na primeira quinzena de setembro e do dia nacional de luta que ocorrerá no dia 30 de setembro;

9) Participar e construir o I Congresso Mundial da Educação a ser realizado de forma online, nos dias 25, 26 e 27 de setembro, unificando os(as) trabalhadores(as) da educação de todo mundo na luta contra o neoliberalismo e em defesa da escola pública;

10) Contribuir com a construção de um novo Encontro Nacional da Educação no próximo ano, ampliando em todo o que for possível o arco de alianças para enfrentar as políticas educacionais do governo e avançar numa alternativa da classe trabalhadora como instrumento para a reorganização das lutas sociais e populares.

Precisamos construir forma de organização e mobilização que nos permita repetir o TSUNAMI da EDUCAÇÃO de 2019, em defesa da vida e da escola pública gratuita, laica e de qualidade.

 

1 Carta de consenso entre as entidades, movimentos e coletivos que constroem o Fórum
nacionalmente.

Link para download do cartão: Carta da Plenária Nacional da Educação

 

Fonte e imagem: Fórum pelos direitos y liberdades democráticas

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