EDUCAÇÃO POPULAR E DECOLONIALIDADE – PEDAGOGIAS DE RESISTÊNCIA EM ABYA YALA  

Autora: Noelia Rodrigues Pereira Rego

Doutora em Educação – UNIRIO

Educadora Popular – CEPL – Coletivo de Educação Popular e Libertária

Introdução

A Educação Popular como perspectiva emancipatória de sociedade – Decolonialidade

 

Tudo começa com uma afirmação. A negação da negação é o segundo momento. Como se poderá negar o desprezo de si mesmo, senão iniciando pelo caminho para o autodescobrimento do próprio valor? A afirmação de uma “identidade” processual e reativa diante da própria Modernidade. As culturas pós-coloniais devem efetivamente se decolonizar, mas devem começar pela autovaloração. (DUSSEL, 2016, p. 64)

Em contraponto com uma educação mecanizada, a Educação Popular se inventa, reinventa, e dentro disso, rompe com as práticas tradicionais-conservadoras por meio de uma insurgência epistemológica contra os modelos pré-fabricados de construção do conhecimento. Assim, por ter essa sua característica mambembe, não cabe em formato de escrita e ações previamente estabelecidos, é, portanto, inovadora em sua essência. São assim experiências “extraordinariamente pedagógicas” (BORON, 2006).

            É este tipo de pedagogia “extraordinária”, que chamamos de crítica, que contextualiza e problematiza processos de construção do conhecimento, que aqui chamamos “mais do mesmo”, padronizados e que, por sua vez, contribuem apenas para a involução de processos e projetos emancipatórios de sociedade. E são inúmeras as experiências educativas que se comprometem de fato com seu tempo, com a história, com mudanças reais e que, por sua vez, podem estar separadas de acordo com as suas demandas específicas, mas encontram-se em perfeita consonância quando o assunto é o rompimento com as pedagogias conservadoras tradicionais: “Trata-se, em síntese, de uma construção alternativa à modernidade eurocêntrica, tanto no seu projeto de civilização quanto em suas propostas epistêmicas” (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p. 17).

            Deste modo, não se trata de ‘produzir’, mas construir e reconstruir conhecimentos, bem como questionar saberes canonizados. Não seria negar estes últimos, tampouco apenas inserí-los nos debates e currículos, mas seria a pressuposição à transformação, questionando as bases ideológicas de um saber milenarmente construído e legitimado.

A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. Essa perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo. Eurocentrismo é, aqui, o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração sistemática começou na Europa Ocidental antes de mediados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. Sua constituição ocorreu associada à específica secularização burguesa do pensamento europeu e à experiência e às necessidades do padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado, estabelecido a partir da América. (QUIJANO, 2005, p. 9)

            É partir do século XVI que o conceito de ocidentalismo entra em voga e com ele toda a legitimação para se dominar e explorar os sem-alma, sem religião, sem cultura, sem língua, sem história. É com base neste mundo moderno/colonial que irão se configurar as teorias evolucionistas de homem e a obrigação de seguir este modelo único de ‘humano’.

Esse primeiro grande discurso que inventa, classifica e subalterniza o outro é também a primeira fronteira do nascente sistema mundo moderno/colonial. Do ponto de vista político-filosófico essa fronteira é estabelecida pelo princípio da «pureza de sangue» na península ibérica – que estabeleceu classificações e hierarquizações entre cristãos, mouros e judeus – e pelos debates teológicos da Escola de Salamanca em torno dos «direitos dos povos», que definiu a posição de indígenas e africanos na escala humana (Dussel, 1994). Esse primeiro grande discurso que impôs as primeiras diferenças coloniais no sistema mundo moderno/colonial passa, posteriormente, por sucessivas transformações, tais como o racismo científico do século XIX, a invenção do oriental, a atual islamofobia etc. (GROSFOGUEL e COSTA, 2016, p. 18)

  Dentro desta perspectiva, não há que se ir muito longe para reconhecermos em linhas gerais o epistemicídio[1] (SANTOS, 2010) e (CARNEIRO, 2005) e o racismo epistêmico[2], como um projeto de sociedade. O século XX nos mostra dentro de centros de produção e elaboração do conhecimento, formas de subalternização positivistas e eugenistas bem firmadas: “com efeito, foi neste contexto demográfico que se desenvolveu um padrão de estética social, em cuja escala de valores a cor escura ocupa, por assim dizer, o pólo negativo. Quando, se prevalecessem aí critérios sociais não heteronômicos, o contrário é que deveria ter acontecido” (RAMOS, 1995, p. 226).

 A noção de progresso em diferentes áreas das ciências, que alguns autores nos mostram, vai nos levar a entender quão grande era a dominação europeia em seus vários quadros de atuação, em que a perspectiva evolucionista de sociedade previa que os “povos selvagens” poderiam (alguns somente) chegar um dia a patamares de evolução tal qual a Europa já havia atingido. Como exemplos, temos Hegel que afirmava que a África não possuía história, e o inglês Herbert Spencer, apontado como o fundador do racismo científico, quando classificou os povos entre superiores e inferiores, estando indianos e indígenas na segunda posição e europeus na primeira. Já no Brasil, tiveram ressonância as ideias do médico Raimundo Nina Rodrigues, com sua interpretação do evolucionismo social, que por meio de seu racismo científico, inferiorizava e negava a cultura indígena e africana. Essa hegemonia da episteme moderna irá adentrar em todos os acessos possíveis da sociedade, sobretudo na política, na economia, nas relações e, principalmente, na educação.

Como nos reforça Muryatan Barbosa,

Nestas perspectivas francamente eurocêntricas, as sociedades e os povos “pré-modernos” ou “arcaicos” deveriam ser estudados como estágios de um caminho civilizacional único, cujo ápice seria a Europa Ocidental. Assim, pois, o passado destas sociedades deveria ser um exemplo inicial deste processo evolutivo. Em todos os casos citados, se reproduz, portanto, a crença na excepcionalidade européia, definida de diversas formas. Desde uma compreensão econômico–social (o capitalismo); culturalista (modernidade, cultura greco-romana); religiosa (judaico-cristã); racial (“branca”), etc. (2008, p. 48)

Mas quem eram esses ditos “selvagens, primitivos”? A resposta a esta pergunta não pode ser feita somente no passado, isto porque este tipo de ideologia ainda está muito presente nas relações sociais e nas instituições. Assim: “quem são esses ditos ‘selvagens, primitivos’?” Seria este o ponto de partida para as nossas análises neste estudo, quando estaria mais correto e honesto o esmiuçar do termo em conjunto com sua atualidade. A começar porque a “epistemologia eurocêntrica ocidental dominante, não admite nenhuma outra epistemologia como espaço de produção de pensamento crítico nem científico” (GROSFOGUEL, 2007, p. 35), o que resulta como uma das formas de manutenção de históricos privilégios de determinadas classes e raças sobre outras.

Sob a égide do progresso, a caminhada da “civilização” desde as cruzadas até a Guerra Fria e, sim, até os dias atuais, tem nos mostrado que é por outro viés que se opera esta ideia de ‘progresso’. Pautadas na exploração e apropriação de terras e seus povos, de sua biodiversidade e de sua propriedade intelectual, por meio da escravidão, matanças e genocídios, o que vemos nestas construções ideológicas de progresso são verdadeiras barbáries pouco midiatizadas pelos grandes equipamentos de comunicação e organismos internacionais e muito contadas pelos viéses de uma minoria, sobretudo hegemônica e branca, de forma a descartar assim a “perspectiva da maioria das pessoas do planeta cujas vidas foram declaradas dispensáveis, cuja dignidade foi humilhada, cujos corpos foram usados como força de trabalho”(MIGNOLO, 2003, p. 296) como meio de alimentar a economia do capital e manter privilégios.

Como Guerreiro Ramos (1995) bem observa,

Para garantir a espoliação, a minoria dominante de origem europeia recorria não somente à força, à violência, mas a um sistema de pseudojustificações, de estereótipos, ou a processos de domesticação psicológica. A afirmação dogmática da excelência da brancura ou a degradação estética da cor negra era um dos suportes psicológicos da espoliação. (p. 220)

Existia uma espécie de “combinação entre a ordem política conservadora e o progresso econômico, ambos apoiados por um sistema de educação em formação. Trata-se de uma dependência histórico-estrutural” (MORETTI e STRECK, 2013, p. 36). Pensar enquanto povo subalternizado, sobretudo as populações latino-americanas e africanas, que foram e são historicamente silenciadas em toda a sua estrutura social é romper e desafiar discursos e estratégias que desqualificam e apontam carências no lugar de possibilidades, fragmentação no lugar de ajuntamento. É perceber ainda que os saberes da rua e dos povos tradicionais podem e devem sim ser levados em consideração neste processo, de forma a entrar no currículo das escolas. Por sua vez, a academia deve tornar-se definitivamente um amplo espaço e palco para esse debate, concatenando, diria eu, epistemes-outras, de forma a desvelar pouco a pouco o histórico de preconceitos e estereótipos e demais violências físicas e simbólicas que nossa ancestralidade oprimida experimentou.

Dentro desta conjuntura –que constata a escola como ferramenta de dominação por excelência, mesmo sendo concebida para ser uma esfera pública democrática, na qual x[3] professor deveria atuar como agente transformador –um modelo decolonial de pensamento se apresenta. De forma a construir uma nova base epistemológica apresentando alternativas à colonização ocidental e desafiando as bases de uma estrutura de poder consolidada, nasce no final da década de 1990 o grupo de estudos Modernidade/Colonialidade (M/C). Formado e constituído por intelectuais latino-americanos de diferentes áreas do saber, uma das principais contribuições do grupo é sem dúvida a tentativa de desmantelamento dos discursos hegemônicos coloniais europeus até então uníssonos, com o objetivo de de/descolonizar pensamentos e práticas de subalternidade. Dito de outra forma: “o postulado principal do grupo é o seguinte: «a colonialidade é constitutiva da modernidade, e não derivada» (MIGNOLO, 2005, p. 75).Ou seja, modernidade e colonialidade são duas faces da mesma moeda. Assim, “graças à colonialidade, a Europa pode produzir as ciências humanas como modelo único, universal e objetivo na produção de conhecimentos, além de deserdar todas as epistemologias da periferia do ocidente (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p. 17).

            Assim, é dentro do programa de investigação Modernidade/Colonialidade Latino-americano que se questiona, de forma radical, desde as mais veladas e sutis formas de silenciamentos e opressão, até a construção de epistemes próprias. Um dos principais objetivos é justamente buscar a superação destas desqualificações e invisibilidades historicamente destinadas a grupos subalternizados e periferizados destes territórios.

            É inspiradora para esta caminhada a articulação dos referenciais da Educação Popular com os da Decolonialidade, cruzando por meio dessas experiências pedagógicas as heranças da colonialidade nos ‘territórios do sul’[4]. A EP assim se insere na genealogia do pensamento crítico decolonial, enquanto prática e pesquisa social, ação e movimento, ligada a projetos de emancipação no fortalecimento de uma pedagogia decolonial em nosso continente, que é aquela que coloca em xeque a episteme europeia com seu ideal de branquitude, historicamente hegemônicos. Isto posto, pensamos que a Decolonialidade e a EP por si se referem a “transgredir, deslocar e incidir na negação ontológica, epistêmica e cosmogônico-espiritual que foi – e é – estratégia, fim e resultado do poder da colonialidade” (WALSH, 2009, p. 27).

            A colonialidade, neste fim, é apenas um dos muitos efeitos da colonização e da modernidade. Assim, Colonialidade e Modernidade são pares pensados e não derivados um do outro, que apontam para um discurso de base hegemônica servil à ideia de dominação e progresso, legitimando formas de opressão (colonialidade), da negação de direitos e modos de ser, que tem nas instituições e na burocracia seu braço acordal. O racismo, o machismo, a fome são premissas deste modo de viver nesta sociedade (MIGNOLO, 2007), são suas consequências mais perversas, que tem na decolonialidade uma grande rival, que denuncia frequentemente e ferozmente estas formas permanentes de colonialidade, insurgindo-se contra elas.

            Por outro lado, lutar pela e com a decolonialidade não significa repelir os saberes europeus ou romantizar o passado ameríndio e africano, mas ter como ponto de partida a problematização da realidade opressora que historicamente vem se consolidando em paradigmas a serem seguidos. Em outras palavras, não é se desconectar dos saberes sistematizados, mas ampliar estes conhecimentos na perspectiva também da problematização da real necessidade deste tipo de saber à prática cotidiana do grupo em questão. É assim, “ler Gramsci, mas também ouvir o Gramsci popular nas favelas” (TORRES, 1996, p. 141). Para além de uma educação popular que capacite tecnicamente as camadas populares, o que se coloca em primeira linha é a insurgência dos saberes e povos, Reconstruindo conhecimentos com outras significações e para outros significantes e significados. Seria assim o sujeito partindo de um ‘não-ser’, se desvelando no ‘vir-a-ser’, como entendedor e propagador de sua própria história, porque agora carregada de sentidos. Vendo na colonização seu algoz, este sujeito passa a não mais viver, mas a existir, não a negar sua própria ancestralidade, mas a reconhecer-se nela e com ela.

            Assim, tanto para o M/C, quanto para nós, não se trata apenas de substituir paradigmas, mas trazer “paradigmas outros”, que sim, têm muito envolvimento com os movimentos sociais. Trata-se de um trabalho de reflexão-ação coletiva em que seus membros, em sua totalidade, possuem alguma relação com movimentos sociais e militância política.

            O projeto de decolonização requer o rompimento, pois não interessa neste caso somente a restituição ou reparação de conhecimentos, mas, sobretudo o desafio de se pensar a partir das margens, das periferias do saber, do poder e do ser (QUIJANO, 2005). Seria valorizar nossas epistemologias e recriá-las para que se legitimem também conhecimentos que estão localizados em seus interiores, nas margens, nas periferias, onde silenciados e desqualificados foram historicamente seus saberes e práticas.

É dentro de uma aposta de superação e transposição à colonialidade nas pedagogias, que a Educação Popular se configura como um processo aberto e contínuo, não involuntário, tampouco finito e com apenas uma frente de atuação. Diferente disto a EP se contrapõe de maneira frontal aos processos de educação que tradicionalmente serviram para a formação de uma não-cidadania, num contexto de subalternização das classes, elegendo uns em detrimento de outrxs. Escolhendo quem serviria e quem seria servido à mesa.

            Para além de um formato dual e adestrador, não seria de forma alguma “dirigir as massas”, mas conduzir e mediar o processo de criar, recriar e problematizar conhecimentos. A dialogicidade se faz presente de forma radical neste tipo de relação. Em consonância com a perspectiva decolonial, a EP prevê a saída dos espaços periféricos de uma epistemologia subalternizada rumo à uma epistemologia onde a participação do outro se transporte destes espaços periféricos para o centro dos processos educativos, porque coletivos e coletivizados. Ter lentes que aproximem sua luta à de outros e outras, nos traz a percepção de que não se está sozinho e o sujeito individual só o é porque tem no coletivo sua chave para a existência. Sendo assim, o devir: o vir-a-ser se constrói antes da luta, quando se descobre enquanto colonizado. E esta descoberta só se dá na práxis cotidiana de pensamento-reflexão-ação. E é justamente no “reconhecimento do seu pouco saber de si que se formará uma das razões desta procura” (FREIRE, 2005, p. 29).

A Modernidade nasce realmente em 1492: essa é a nossa tese. Sua real superação (como subsuntion e não meramente como Aufhebung hegeliana) é a subsunção de seu caráter emancipador racional europeu transcendido como projeto mundial de libertação de sua Alteridade negada: a Trans-Modernidade (como novo projeto de libertação político, econômico, ecológico, erótico, pedagógico, religioso, etecetera). (DUSSEL, 2000, p. 50-51)

Na esteira do processo de colonialidade, o que se trata, portanto é de um projeto epistêmico bem alinhavado e articulado em várias teias, que sobrevive bem até os nossos dias, e se torna a cada dia mais imperceptível do ponto de vista tangível, mas que cumpre seu papel perversamente velado. Eram assim o espanhol e o português na América dos séculos XVI ao XX, passando à França do início até meados deste mesmo século e deslocando o bastão para os “cuidados” dos EUA para continuar o legado epistêmico colonial em nossas terras, chegando ao que temos hoje.

            Pensamos assim que, apesar de não vivermos mais num regime colonial formalmente – o que não se quer dizer que não se viva e conviva com ele em sua forma ideológica, por meio de imposições e embargos políticos, econômicos e judiciários– a colonialidade está plenamente vivificada quando ela sobrevive nessas formas sutis de arranjo e rearranjo na sociedade, fabricando e moldando seres, por meio de uma falsa cidadania, por meio de uma falsa inclusão. É ainda, quando o que se chama aqui de colonizador começa por meio de seus privilégios a invisibilizar e destruir a imagem e o imaginário do outro, bem como seus sonhos e esperança, afirmando assim hegemonicamente sua visão de mundo e o que considera como passível de se tornar legítimo, prestigioso e abrangente. Assim, temos a escrita, a forma como se fala, os gestos, a “etiqueta”, o “certo” e o “errado”, o CEP, a cor, a sexualidade, e, por fim a estética para dar a tonalidade final a estes exemplos vivos de uma colonialidade cotidiana de “sucesso”.

            No interior desta via, a quebra da relação entre colonialidade e epistemologia se dá quando se redefine conhecimentos, saberes e experiências, bem como se reorienta e reordena a geopolítica do conhecimento; esta que operou e ainda assim o faz, nos mais altos graus de pretensas universais, que se dá na geopolítica da língua, por exemplo, em que há apenas uma norma para se falar e escrever e todas as outras estão à margem, sendo consideradas inferiores, sendo subalternizadas. A quebra dessa relação seria assim uma “máquina para descolonização intelectual e, portanto, para a descolonização política e econômica” (MIGNOLO, 2013, p. 76). Seria ainda um exercício de de/descolonização intelectual redefinindo e ressignificando nossos horizontes, nossa cultura, nossa língua, nosso campo político enquanto sujeitos intelectuais-históricos que somos. Um dos principais objetivos de Mignolo é, portanto, a substituição da “geo- e da política de Estado de conhecimento de seu fundamento na história imperial do Ocidente dos últimos cinco séculos, pela geo-política e a política de Estado de pessoas, línguas, religiões, conceitos políticos e econômicos, subjetividades, etc., que foram racializadas (ou seja, sua óbvia humanidade foi negada)” (ibid.,p. 290).

            É decolonizar as teorias, as pedagogias, as epistemes, e desmascará-las enquanto racistas, sexistas, exploratórias. E a Educação Popular tem muito que contribuir neste cenário. Acreditamos que ela precisa estar presente não só nos espaços não-formais de educação, mas, em grande medida, nos territórios formais, onde o projeto histórico de uma educação tecnicista se perpetua com afinco em suas práticas e teorias, sobretudo por meio do currículo.

            Diante das reflexões fica evidente que a EP e a Decolonialidade estão muito próximas e atuam em bases comuns ao fazerem enfrentamentos e oferecerem resistência com conhecimentos dissidentes aos já consolidados, denunciando em seu bojo a exploração do capital, e ainda anunciando paradigmas, palavras e valores outros como: empatia, alteridade, autogestão, participação, coletividade, provocando desta forma a emersão de conhecimentos produzidos nas bases dos movimentos de povos e grupos subalternizados.

            Dentro desta esfera, é por meio da decolonização que se parte para o que chamo aqui de “pelejas pedagógicas” em prol de afirmação de existência, cultura e identidade, na busca e na luta por direitos junto a movimentos sociais, povos tradicionais e originários, LGBTQI’s, negrxs, mulheres, periféricxs e faveladxs. É assim que, como Walsh (2012), pensar a decolonialidade é pensar as lutas contra a colonialidade e, a partir delas, questioná-la e promover a reconstrução radical de toda a integralidade humana de nós, povos latinos e irmãs e irmãos de África. Seria assim o ‘pensamento crítico de fronteira’ que nos colocam Gloria Andalzúa e Cherrie Morraga (1981) para problematizarmos, questionarmos, perguntamos os porquês, estes que nos são tão negados nos processos pedagógicos formais de educação, por exemplo. Nesse viés, a escola estaria em consonância o tempo todo com outras instâncias da sociedade, para além de seus muros e de seus enclaves fortificados: físicos e pedagógicos.

Cuando vives en la frontera

la gente camina a través tuyo, el viento roba tu voz,

(…) debes vivir sin fronteras, ser un cruce de camino.

(Vivir en La Frontera – Gloria Alzandúa – 1987)[5]

Conforme defende Mota Neto (2015), por exemplo, as “obras de Paulo Freire e Orlando Fals Borda são um antecedente ao debate da decolonialidade na América Latina e que a constituição de uma pedagogia decolonial em nosso continente se fortalece com as contribuições pedagógicas, políticas, epistemológicas e sociológicas que estes autores forneceram para a educação popular” (p. 03).Ao lado de Paulo Freire, no Brasil, Lélia Gonzalez, com seu conceito de Amefricanidade e Guerreiro Ramos falando sobre a Patologia Social do “Branco” Brasileiro, já falavam desta temática, também. Entre todos estes, que antecederam aos estudos formais da decolonialidade, há estreitas ligações, quando ao nos debruçarmos sobre seus escritos encontramos insatisfações e anseios em comum, salientando demandas concretas, num próprio diálogo de saberes (Fals Borda) de Améfrica Ladina (Lélia Gonzalez); numa completa síntese cultural (Freire),num contexto endogenético de recuperação coletiva da história (Fals Borda), denunciando as históricas e contemporâneas espoliações (Guerreiro Ramos) que sofremos os povos de América e afrodiaspóricos. Cada qual em seu espaço-tempo-local, com suas demandas, questões e peculiaridades.

Temos neste contexto ainda, Frantz Fanon (1979) e Aimé Césaire (2000), que embora não tivessem mencionado o termo decolonial, ou mesmo de/descolonização ou algo parecido, tampouco colocado a América Latina como centro de seus estudos, as obras de ambos os autores estão permeadas e intimamente imbricadas com as bases do pensamento crítico decolonial, conforme nos coloca Ochy Curiel:

Estos dos autores concibieron la descolonización no solo como una no dependencia entre metrópolis y colonias o entre países del norte y países del sur, sino como un desmontaje de las relaciones de poder y de concepciones del conocimiento que fomentan la reproducción de jerarquías raciales, geopolíticas y de imaginarios que fueron creadas en el mundo moderno/colonial[6]. (2012, p.4)

            A DEcolonolialidade, em conjunto com as experiências pedagógicas de Educação Popular, estariam assim ressignificando as formas de existir de povos silenciados em inúmeros aspectos de sua condição humana. Restituindo sua condição de fala, portanto sua oralidade e história, seus corpos e culturas, enfim, sua subjetividade que lhes foi retirada ‘à fórceps, estariam assim os dimensionando a novos horizontes e frentes, de forma a enfrentarem a colonialidade e a contribuírem para a construção e a ampliação de veias abertas de emancipação.

Falando um pouco mais das pedagogias decoloniais, insurgentes, outras e resistentes pelas terras de Abya Yala

 

A história das chamadas ‘missões civilizatórias’ tinham o objetivo de expandir o capitalismo mundial, que, eurocentrado, abriram verdadeiras feridas na América Latina e África, banquetes preferidos destas incursões. Assim, a colonialidade e a modernidade, como vimos, marcam definitivamente nosso território com suas imposições e padrões de dominação dando surgimento a pilares de colonialidade e colonialismo, frente às pseudonecessidades do capital. No entanto, passivos não ficaram os povos que foram tomados pelas sangrentas invasões. Como um exemplo de enfrentamento, é na educação que a América Latina se torna insurgente ao dar origens a inúmeras ações de resistência, dentre elas, suas pedagogias desafiadoras. Ao se oporem às tentativas de apagamento de sua história é que se levantam sujeitos em luta contra tais investidas, por meio de pedagogias clandestinas, fazendo prevalecer, sobretudo, sua língua e suas demais práticas de cultura, como forma de REexistir.

Dito de outra forma, assim, é a verdadeira face do capitalismo, na ‘busca pelo ouro’, que entra em nossas terras e que vai dar as cartas na constituição de processos de colonialidade euro/etnocêntricos enquanto pilares de hegemonia e poder. No entanto, ao contrário do pacifismo e da morosidade que se atribui endemicamente aos povos colonizados a resistência se não aconteceu em forma de guerras e guerrilhas locais, ela se deu sob a forma de uma epistemologia contra-hegemônica que traz em seu bojo uma metodologia revolucionária, insurgente.

Para Catherine Walsh (2013) o elo e o rejunte da perspectiva decolonial com a perspectiva pedagógica se formam pelas insurgências suberversoras e utopias rebeldes que fazem o enfrentamento a práticas nocivas de educação provocando fissuras nesta ordem moderno/colonial. Seriam assim pedagogias do transgredir, do desobedecer, como pensam muitos estudiosos dos temas decoloniais, mas, sobretudo, buscando hoje novas-velhas miradas epistemológicas que nos remetam a descolonização das mentes que estão enraizadas em toda uma estrutura muito bem fundamentada de sociedade, que se valem da cultura, das relações de exploração no trabalho, do machismo, do racismo, do preconceito regional e linguístico, ancoradas, portanto, nas esferas do ser, do saber, do poder (Quijano, 2005).“Entonces el sujeto del tercer mundo tiene las fuentes de todo el pensamiento europeo, pero también descubre que ellas se encuentran en otros lugares. La travesía del conocimiento es muy rica en virtud de que no está limitada a los patrones europeos”. (MALDONADO-TORRES, 2014).

Lutar contra a matriz colonial e seu padrão normativo que subracializa e desumaniza não faz da decolonialidade uma teoria tão somente, mas uma bandeira de luta, movimento e ação: “Es un proceso accional para pedagógicamente andar” (WALSH, 2013, p. 67). Como um projeto, é construir formas de educação que possibilitem pensar, fazer, ser, sentir, existir, estar, olhar, escutar, provar, experienciar outras formas distintas das que estamos acostumados e que fomos treinados para segui-las como padrão único de racionalidade e epistemologia.

Alfonso Torres Carrillo (2006) nos propõe uma investigação desde as margens para desvelarmos o que de mais profundo há nestes espaços cuja subalternidade, pautada pela colonialidade, não impediu a insurgência. Além disso, “(…) a localização e a explicitação desses princípios podem ajudar a identificar os mecanismos que operam de maneira opaca e implícita na distinção social entre classes e grupos distintos. Pode ainda ajudar a identificar os “operadores simbólicos” que permitem a cada indivíduo na vida cotidiana classificar os outros como mais ou menos dignos de seu apreço ou desprezo” (SOUZA, 2004, p. 83). Não se trata com isso de receitas prontas, finas e acabadas, que vêm de contextos estranhos e exógenos, mas como proposta emancipadora de uma contrapedagogia que trata de “articular o campo epistemológico com o ideológico para enfrentar o pensamento único neoliberal de que ‘não há alternativas’…” (ADAMS; STRECK, 2010, p. 122).

Abya Yala – significa “terra de plena maturidade” ou “terra de sangue vital”, era este onome que os indígenas Kuna, do Panamá e da Colômbia, se referiam ao falar do continente americano antes da invasão espanhola. Era este o verdadeiro nome destas terras. A contrapedagogia, que me proponho neste estudo é a pedagogia de Abya Yala, que foi silenciada, que foi rechaçada pelos não-nativos. Um conjunto de saberes originários daqueles que tiveram seus discursos, suas técnicas usurpadas, arrancadas e transplantadas para outras terras como pedagogias próprias. Um bom exemplo disto são as técnicas de manejo da terra, agricultura e mineração milenares que muitas nações de África[7] possuíam, e entre os Astecas e os Incas que detinham um alto grau de sofisticação em seu sistema tecnológico e possuíam um sistema educativo que lhes eram próprios. Muitas destas práticas e inventos foram tomadas pelos brancos como atividades originalmente suas, levadas, portanto, à Europa e lá entrando pelos grandes centros de estudo e pesquisa de suas universidades, que tomaram suas patentes.

É nesta sociologia das ausências (SANTOS, 2007), que aqui me atenho, bem como em desvelar uma pedagogia do encobrimento do outro (DUSSEL, 1973). Ao que chamo aqui de contrapedagogia, é tudo aquilo que vem ao encontro daquele e daquela que fora silenciadx, desqualificadx e ridicularizadx, por não estar de acordo com os parâmetros previstos pelos cânones europeus universalizados. E, para começar, esta contrapedagogia só acontece quando são desveladas as epistemes encobertas/silenciadas e/ou usurpadas destas terras, saberes originários e milenares que hoje levam o nome de seus “descobridores” em seu histórico de criação (as muitas engenharias plenamente exercidas em África desde muito antes das invasões estão aí para atestar essa usurpação também). Assim comungamos das palavras de Streck (2006) quando diz que: “Interessa-nos este segundo lado da história, na esperança de resgatar alguns elos perdidos que ajudem na reconstrução de nossa memória pedagógica. O pressuposto é de que, junto com o silenciamento das culturas, foram silenciadas as suas pedagogias, que continuaram sobrevivendo na clandestinidade” (p. 278).

Essas contrapedagogias acontecem desde muito. Muito articuladas e criativas, as formas de resistência se dão historicamente por meio de ritos, de códigos implícitos, de um sincretismo só “para inglês ver”[8]. Uma vez que eram reprovadas suas práticas culturais e religiosas pelos brancos e sumariamente proibidas, como as danças, o candomblé, as populações escravizadas se valiam de estratégias para a sobrevivência desses costumes, de sua religiosidade, utilizando o sincretismo como forma de sobrevivência e enfrentamento. O Jongo e o Caxambu, no Brasil, e o Candombe, no Uruguai, por exemplo, são manifestações que têm seu enraizamento na resistência, nestes códigos e maneira de comunicação para a sobrevivência de si e de suas práticas, “que se resguardam em antigos códigos para manter sua condição humana frente a um poder arrasador (ARGUMEDO, 2004, p. 146). O verso de jongo: “Com tanto pau no mato, embaúba é coroné!”[9] trata exatamente disto que estamos pontuando, quando do descontentamento pela entrada de um coronel que não fazia jus ao título, pois era considerado fraco e mole como a árvore de embaúba. O acontecido era informado aos outros escravos por meio desta forma de comunicação, que disfarçada na cantiga ainda trazia consigo o deboche, a ironia, o escárnio em sua forma e opinião. Vemos com isso que, “a história autentica uma palavra, ou seja, dos vencedores e/ou dos vencidos. Esta “palavra autorizada” se encontra hegemonicamente em poder das classes que dominam as relações em sociedade e se expressa nas estruturas. Quem está despossuído da palavra autorizada ou quem a possui precariamente, no entanto, tem a possibilidade de resistir e de se insurgir” (MORETTI e STRECK, 2013, p. 36).

Fugir desta que aqui chamamos usurpação colonial, que até hoje insiste em nos atingir nos mais diversos campos e espaços, não é apenas mais uma bandeira de luta contra estes constantes ataques de apoderamento, apropriação e consequente encobrimento de povos e práticas. Mas, sobretudo, uma forma de ampliar o olhar para estas novas roupagens coloniais, partindo para a construção de pilares ainda mais sólidos de uma contrapedagogia de resistência e de transformação social, que tenha suas fundações pedagógicas, sociais, culturais, econômicas, políticas e organizativas muito bem definidas, visando a preservação de práticas consideradas sagradas e/ou mesmo próprias e originárias de cada grupo/povo em Abya Yala. É desta forma que a

Insurgência pode nos oferecer uma base no caminho da luta e nas suas diversas dimensões, sobretudo da formação educativa dos sujeitos envolvidos em experiências que, conforme Santos (2006), integram as resistências e lutas por uma globalização contra-hegemônica, articuladas com redes de solidariedade transnacional. (MORETTI; ADAMS, 2011, p. 453, grifo nosso)

É através deste elo transnacional, por vezes invisível, que se dá a instrumentalização dos afetos entre os indivíduos e grupos e que se promovem ações à luz da conscientização e, portanto, da contra-hegemonia, porque se humaniza de forma fecunda as relações nestes espaços. É ainda utilizando os saberes comunitários como fonte de inesgotáveis descobertas e pontos de partida para tantas outras, revolucionado assim a própria realidade e a de seus pares para além dos seus espaços geográficos de atuação. Contudo, procurando preservar e manter o protagonismo e a autonomia de suas práticas, enquanto grupo.

“Analisar e refletir sobre a pedagogia da insurgência e seus tensionamentos com a colonialidade do conhecimento e do poder requererá um encharcar-se, sobretudo, da história colonial e contemporânea da América Latina e dos seus modelos educativos” (MORETTI; ADAMS, 2011, p. 451). A pedagogia da insurgência ou a contrapedagogia entendida e defendida em nossos termos, seria resgatar as falas, a oralidade, as histórias e os causos (o folclore) que a ancestralidade nos deixou. Isto porque, como dizia Gramsci: “o folclore não deve ser concebido como algo ridículo, como algo estranho que causa risadas, como algo pitoresco; deve ser concebido como algo relevante e deve ser considerado com seriedade. Assim a aprendizagem será mais eficiente e mais formadora sobre a cultura das grandes massas populares” (2006, p. 90).

O insurgir-se aqui também seria uma pedagogia de discordar e não ser ‘abissalizado’[10] por isto, mas ter o direito de fala, voz e vez onde for e não ser desqualificado em suas ações contra-hegemônicas de enfrentamento a uma ideologia dominante. Seria ainda somar a insurgência às forças coletivas, positivas e propulsoras em prol de mudanças, onde o ‘lugar de fala’ esteja garantido e legitimado. Não por benesse ou concessão, mas por direito a exercer uma contrapedagogia. Assim, é pelo protagonismo e pela autonomia tão cara a muitos sujeitos e coletivos populares em luta, que,

As resistências são consideradas como manhas necessárias e a insurgência, para além de uma forma de luta, possibilita o dizer a sua palavra nos processos pedagógicos em curso. Paulo Freire, José Carlos Mariátegui, os zapatistas, entre outros latinoamericanos, são referências nesta articulação que relaciona projeto educativo com projeto de sociedade. (MORETTI; ADAMS, 2011, p. 448)

É preciso pluralizar o nosso olhar. Afirmar a educação como um processo de resistência, enfrentamento e, por fim, um projeto omnilateral de ser e estar no mundo seria um indicativo necessário para este tipo de proposta. Símon Rodriguez, por exemplo, pensava a Educação Popular como um “sistema de socialização para o desenvolvimento das capacidades de ações coordenadas no plano social, com vistas ao exercício do poder, tendo o diálogo como ferramenta” (MORETTI e STRECK, 2013, p. 36). Daí a necessidade de se ampliar o nível de compreensão crítica, bem como sua capacidade de indignação. Entendendo que situações-limite só são modificadas e transformadas com ações-limite, capazes de enfrentamentos lúcidos, concretos e basais.

A violência colonial seguiu em desumanizar homens e mulheres ao fazê-lxs negar suas origens, envergonhar-se de seu passado (FANON, 1979) que, combinada ao “expansionismo moderno/colonial com as diversas formas de dominação impôs uma cultura do silêncio, reforçada pela verticalidade, o monólogo e uma metodologia universalizante” (MORETTI e STRECK, 2013). Reconhecer que a história é possibilidade, a educação, um ato político, que deve ser concebida como um processo de formação contínua na problematização cotidiana, tendo ainda no trabalho a base libertária do ser humano, é favorecer a luta por essa formação omnilateral do ser humano. É ainda na perspectiva Ubuntu – que para além de palavra, é uma ética e ideologia africana e quer dizer: eu sou, porque nós somos – a formação de um elo orgânico, subversivo e extremamente paritário com o grupo: “eu sou, porque nós somos”, de forma a enfrentar junto e em conjunto as diversas facetas do colonialismo intelectual que se apresentam, construindo suas epistemes, seus paradigmas próprios, escrevendo e falando por si.

Construir elos fecundos e férteis por meio de pedagogias emancipadoras atentando para a memória como contraponto ao esquecimento, que também, a nosso ver é político, é assim lembrar o passado e conhecê-lo com profundidade, para entender e agir no presente, buscando saídas outras para o futuro.E isto tem a ver como “los sujetos se posicionan, qué actitud toman, la actitud es el ángulo de aproximación y de apertura a un fenómeno o a un problema en particular, esto muchas veces determina qué es lo que se tomará como evidencia ante un problema, qué tipo de problemas se van a reconocer como significativos y que otros no”[11] (MALDONADO-TORRES, 2014). E, afinal, quem escolhe e quem decide o que é ou não é especial, sagrado, profano, secreto, emergencial, relevante, etc para cada povo/grupo, senão seu próprio povo/grupo?

Assim, é dever nosso desafiar estas questões de ordem colonial e tomar para nós a posição de que“nosso problema é também o de desnudar as suposições igualmente presunçosas daqueles que pensam saber o que são os fatos e as soluções, e que querem impô-las às pessoas” (HOBSBAWM, 1998, p. 230). A educação, na perspectiva de uma luta anti-imperialista e anti-eurocêntrica, surge como um recurso que pode dar as bases para este enfrentamento e desafio. É historicizando a educação, que conseguimos pensá-la para além da conformidade de conteúdos, é historicizando-a, que somos capazes de sentir as “correntes que nos prendem”[12], porque estamos em movimento. Em ação. Pois temos sido testemunhas de que “as insurgências pedagógicas, muitas vezes geradas no silenciamento, são capazes de reformular a pedagogia de forma global, nos marcos das lutas históricas onde ser latino-americano é ser estrangeiro em sua própria terra, porque o espelho em que se vê é um espelho eurocêntrico” (MORETTI e STRECK, 2013, p. 36).

Partimos da premissa de que a educação de latinoamérica, de África e Caribe estáhistoricamente ancorada em bases coloniais, seja do colonialismo, seja da colonialidade, intrinsicamente correlacionados à modernidade. É assim que muita das vezes e mesmo de forma desprevenida, nossa subserviência epistêmica, como herança, nos remete a estar sempre valorizando e canonizando o que vem de fora. Não à toa reproduzimos fielmente a estruturação e a reestruturação produtiva do capital em nossas relações nos espaços de militância, pessoais, profissionais, amorosos, mesmo fazendo parte dos que lutam pela contra-hegemonia. O que quero dizer com isso, é que se não formos vigilantes o bastante para o exercício diário de autocrítica, facilmente, como dizia Freire, nos tornaremos opressores quando oportunidade tivermos. No entanto e, felizmente, vemos fortes indícios de resistência entre nós, por meio desta Solidariedade Transnacional de que nos coloca Moretti e Adams (2011) que cada vez mais se constitui e se consolida entre nós, povos latinos e caribenhos e de África. É isto o que nos faz crescer e avançar. Com ações desenvolvidas no âmbito da humildade científica (SOUZA, 2017) (e não da subserviência) da autonomia e da clandestinidade, por vezes, atuando nas brechas, mas insurgentes e contra-hegemônicas em sua base, procurando como principal ação destruir os cânones da colonialidade, se vão construindo pensamentos pedagógicos que versam pela emancipação e valorização de fato de quem somos e não daquilo que queriam que nós fôssemos. Seguimos, portanto, Insurgentes.

A pedagogia que nos foi proposta historicamente está ancorada num conceito de ‘cidadania subalterna’, impondo práticas educativas que tem na Europa seu lugar de âncora. Deixando para a Ralé (no caso, nós) o legado de subserviência e a compilação das práticas de domínio, esse modelo “de fora” tratou de colocar em nós a sensação de que um dia poderíamos chegar, mas que, num primeiro ousar, o “aqui não é o seu lugar”ou o“coloque-se no seu lugar” estaria estampado e bem ajustado sempre como distintivo em nossas trajetórias. E isto não vem de agora, permanece desde muito tempo lado a lado às tentativas de interdição e desqualificação: “junto com o silenciamento das culturas foram silenciadas suas pedagogias que continuaram sobrevivendo na clandestinidade” (STRECK, 2005, p. 58). E é por vezes nesta clandestinidade no interior dos movimentos e grupos, que nos descobrimos e nos legitimamos enquanto seres individuais e, ao mesmo tempo, coletivos.

Por meio da formulação de uma contrapedagogia por estas terras, o elo que perpassa todas estas experiências de ações de outras pedagogias, seriam suas propostas, práticas e posição política que iam de encontro de forma veemente à visão de mundo dominante. É neste cenário que se engendram muitas formas outras de educação, com distintas concepções e ramificações de popular. “Dentro da diversidade de processos realizados, nos diferentes países, é possível encontrarmos elos que os unem como povos, com uma memória comum e com possibilidades de construir outra história” (MORETTI e STRECK, 2013). Neste panorama em que “pedagogias outras” se unem, Dussel, em 1976, qualificou e exemplificou o conceito de Filosofia da Libertação: “Filosofia da libertação, popular, feminista, da juventude, dos oprimidos, dos condenados da terra…” (in: DUSSEL, 2015, p. 274). Hoje estas terminações, num elo fecundo, cabem perfeitamente nos termos da Educação Popular, como a concebemos: Educação Popular da Libertação, Educação Popular do Popular, Educação Popular Feminista, Educação Popular da Juventude, Educação Popular dos Oprimidos, Educação Popular Rural, Educação Popular Racial, Educação Popular LGBTQI+, Educação Popular dos Povos Tradicionais, enfim, Educação Popular dos Condenados da Terra.

Compreende-se que a América Latina e a Europa são unidades de conflituosidade, e que as experiências, os métodos e as pedagogias de insurgências, ao valorizarem o outro conhecimento ante a colonialidade do norte, tornam-se fundantes na reinvenção da emancipação social (…). Trata-se de experiências do sul que têm possibilitado colocar a insurgência e a (des)colonialidade como categorias pertinentes na compreensão de processos educativos. (MORETTI; ADAMS, 2011, p. 447, 451)

A constituição de uma pedagogia decolonial em Abya Yala, em que a Educação Popular é causa e efeito, ao contrário do que sugerem seus críticos, não é um ‘tapa-buraco’. Não foi ou é construída a esmo, sem objetivos e definições, ou mesmo uma educação pobre para os pobres. Ao contrário, suas definições são perfeitamente óbvias e demarcadas, bem como suas estratégias críticas de resistência, ricas em método, finalidade e, sobretudo, perspectiva. Contudo, não se trata de colocar aqui rivalidades e estabelecer hierarquias da EP frente a outras formas de educação, tampouco rivalizar as pedagogias que nestes territórios se criaram, com as pedagogias do norte, mas tão somente situar as nossas pedagogias no tempo, no espaço, conferindo-lhes status científico também. Tratá-las em pé de igualdade, pontuando, portanto, suas diferenças com outras pedagogias, é o que faz sentido para nós.

O verdadeiro habitat da Educação Popular são as margens, porque ela nasce das margens (EGGERT, 2003), nasce onde o Estado não atua, onde não chega recursos mínimos, onde populações com riquíssimas sabedorias outras, de cientificidade, por exemplo, são desconsideradas, mas vistas tão somente como massa amorfa, sem pele, sem alma’, passíveis de serem exploradas em sua mais íntima essência. São nestas subjetivações que a EP se debruça, se afastando das institucionalidades, dos processos que burocratizam o humano, mas que estão mergulhadas em contextos históricos de luta social e cultural. É a proposta de uma educação que não é neutra, tampouco ahistórica, mas centrada no conhecimento do sujeito, pois “se parte de que todos los humanos tienen un saber derivado del mundo que habitan y las prácticas que desarrollan en lo cotidiano de sus vidas”[13] (MEJÍA, 2013, p. 373). Emancipado e autônomo, ao mesmo tempo individual e coletivo, este sujeito produz transformação para si e para seus pares.

Como resultado de um belo exemplo de luta e resistência Walsh (2012) nos informa que a Constituição do Equador, que não ultrapassa uma década de existência, vai na contramão de todas as esferas pautadas pelo prisma do capital, quando, “faz mudança de lógica e razão importante não só em dar um lugar central à ciência e conhecimento, senão também em reconhecer que a ciência e o conhecimento não são singulares e únicos. Ao falar de conhecimentos científicos e tecnológicos e sua herança de conhecimentos ancestrais – fazendo com que os ancestrais também sejam entendidos como tecnológicos e científicos”[14] (p. 10). É assim a colonialidade do saber sendo enfrentada no âmbito jurídico e estatal, no âmbito das instituições.

Entende-se aqui que o sumak kawsay[15]ou bem viver/vida plena, pode, e mesmo tem, de ser de responsabilidade do Estado sim, rompendo com o postulado cartesiano e capitalista, portanto dual e maniqueísta de apenas um modelo de viver. Agindo no âmbito epistêmico também este bem viver, essa outra forma de vida “permite construir pressupostos epistemológicos abertos não fechados que não põem limites ao conhecimento e a razão senão que envolvem a totalidade de atitudes e sentidos. Abre e desafia assim a epistemologia moderna – a que nos faz pensar que se chega ao mundo desde o conhecimento – acalentando outra lógica epistemológica, a que rege e tem sentido para a grande maioria” (idem). E esse “novo viver” não se consegue sem luta, sem disputa, pois não é doado, mas conquistado.

Assim é a Educação Popular que, nascida nestas terras, o sul do globo, se coloca para a humanidade (MEJÍA, 2013). São matrizes pedagógicas de resistência que se apresentam no enfrentamento direto e indireto a outras formas de geração de conhecimento que têm servido a dar sustentação ao papel hegemônico de sociedade, fortalecendo a matriz colonial. Não interessa a EP a busca por certezas, que, finitas, não abrem margem para possibilidades. É que o conhecimento não deve estar atrelado à estas buscas, mas à premissa incessante de duvidar, de desafiar e de assim se insurgir por meio de um processo fundamental de ‘libertação da soberba da colonialidade’ abrindo margem, para tanto, ao surgimento do que chamamos aqui por humildade epistêmica, que, sem certezas absolutas, não produz, mas constrói conhecimento, da mesma forma que está sempre a perguntar e sempre aberta e disposta a aprender.

Entendemos que estes processos históricos de construção de cidadania precisam ser mais investigados, analisados, anunciados e denunciados por um maior número de pesquisadoras e pesquisadores embebidos de práticas e de paixão, pois que de afeto e militância, e de rigor e de métodos também. São processos multifacetados, que precisam de visibilidade e critização um a um, pois não são monolíticos, mas constituem-se num emaranhado de particularidades, de pautas, demandas e ações. É descobrir, sobretudo, que existe vida para além dos campos formais e institucionalizados da sociedade, vidas que se inventam e reinventam e de forma mambembe sobrevivem, que se constróem e reconstróem no cotidiano pela escassez e falta de recursos a que são expostos. Constata-se assim que, a cidadania é disputada veementemente e não algo concedido, mas é uma cidadania em ato, porque ação, em permanente vir-ação, que não abre qualquer margem para passividade. Entendemos que há vítimas sim de um processo histórico e perverso de exclusão e marginalização, de invisibilização e genocídio, mas não sem lutas, disputas e conflitos em seu interior e com o Estado, contra essa barbárie. Atesto eu mesma, como prova disso, que vi/vejo e vivi/vivo estes processos de lutas.

Anticoncluindo

O sistema econômico e político foi dominado no exercício do poder colonial e da acumulação gigantesca de riqueza, mas essas culturas têm sido interpretadas como desprezíveis, insignificantes, sem importância e inúteis. Esse desprezo, no entanto, permitiu-lhes sobreviver em silêncio, desdenhadas simultaneamente por suas próprias elites modernizadas e ocidentalizadas. Essa alteridade negada, sempre existente e latente, indica a existência de uma riqueza cultural insuspeita, que renasce lentamente como chamas de carvão enterrado no mar de cinzas centenárias do colonialismo. Essa exterioridade cultural não é uma mera “identidade” substantiva não contaminada e eterna. Ela tem evoluído diante da própria Modernidade; trata-se de uma “identidade” em processo de crescimento, mas sempre como uma exterioridade. (DUSSEL, 2016, p. 62)

É o pensamento moderno que validou e continua a validar o reconhecimento de nossos saberes. Ou seja, negar a autenticidade, a originalidade de nossos processos de conhecimento e técnicas é e sempre foi uma ideologia, bem como conferir títulos de ascensão conforme o interesse (caso das manifestações culturais como o samba, jongo e o funk, que vimos por aqui). Seria assim um projeto histórico não só de desvalorização, mas a subvalorização de povos e grupos. São bons exemplos disto: quilombolas, indígenas, camponeses, ribeirinhos e demais povos originários que ainda existem. Esses povos utilizam-se de estratégias de originalidade e criatividade e da Insurgência, e Resistem, sobrevivendo para ‘contar história’, porque muitos e muitos dizimados que foram por intensos processos de genocídio de todas as formas somente podem ser conhecidos por nós através dos livros. E poucos livros, diga-se.

A colonialidade é um dos elementos que constituem o padrão mundial do poder capitalista, que no contexto de convergências de crises (econômica, ambiental, de representação política) sustenta a imposição de um determinado tipo de classificação social que opera nos planos materiais e subjetivos. (MORETTI e STRECK, 2013, p. 35)

É neste plano material e subjetivo, que se encontram as pedagogias e as formas de conhecimento e de sobrevivência. Ligado a isto, a colonialidade do ser pode ser entendida e estendida para o que Fanon muitas décadas antes chamou de “não existência”, tal é a desumanização, a inferiorização de corpos e saberes, de falas que são ridicularizadas, infantilizadas e subalternizadas. Há, em conjunto com este pacote, a negação de suas esferas místicas e sagradas, por exemplo, que agem de forma legítima e prestigiada no interior desses povos, mas que fora destes espaços e territórios se deparam com a “divisão binária natureza/sociedade, descartando o mágico-espiritual-social, a relação milenar entre mundos bio-físicos, humanos e espirituais – incluindo dos ancestrais, espíritos, deuses, e orixás – a que dá sustentação aos sistemas integrais de vida, conhecimento e a própria humanidade” (WALSH, 2012, p. 08), são místicas e rituais que explicam seus mitos de origem e que conduzem e dão sentido à sequência da vida coletiva.

O pensamento de fronteira não é um pensamento fundamentalista ou essencialista daqueles que estão à margem ou na fronteira da modernidade. Justamente por estar na fronteira, esse pensamento está em diálogo com a modernidade, porém a partir das perspectivas subalternas. Em outras palavras, o pensamento de fronteira é a resposta epistêmica dos subalternos ao projeto eurocêntrico da modernidade. (GROSFOGUEL; COSTA, 2016, p. 19)

É este caráter de fronteira e marginalidade que confere sentido às ações de Insurgências, que encontrarão na Educação Popular seu aporte e sua natureza de identidade e identificação e que tem inúmeros pilares: pedagógicos, políticos, econômicos, sociais, afetivos, de gêneros, sexuais, feministas, ecológicos, raciais, culturais, dentre tantos outros que se configuram em suas especificidades. É nessa condição de opressão (FREIRE, 1987) que se vêem oprimidos e identificam o opressor, por meio de experiências de “alta sensibilidade aos contextos políticos, sociais e culturais” (TORRES, 2013, p. 19), e é isto que se torna parte de seu cotidiano experienciado como um novo projeto de libertação. Entender-se e tornar-se subalternizadx-mambembe-insurgente, como aqui defendemos, é fundamental, e consequência deste processo.

A revés, somos testemunhas de que historicamente,

(…) tanto o mercado como o Estado são perpassados por hierarquias valorativas implícitas e opacas à consciência cotidiana, cuja naturalização, que a transveste de “neutra” e “meritocrática” é responsável pela legitimação da ordem social que essas instituições atualizam. A compreensão dessa “ideologia espontânea” é fundamental para que possamos perceber a importância do componente simbólico e cultural na produção social da desigualdade e da subcidadania. (SOUZA, 2004, p. 81)

É com isso deixar de vermos tão somente o crescimento econômico – os PIB’s e as estatísticas de um suposto crescimento econômico em escala local e global – para nos analisarmos enquanto sociedade, nas relações e tratamento que conferimos entre nós, na escala valorativa de ser humano que temos considerado e assim constatarmos o quanto de desigualdade está incorporada e legitimada em nossas sociedades do sul.

A relevância do pensamento do Grupo M/C também para pesquisadores de ciência e teoria política no Brasil é tal quando se torna especialmente capaz de revelar e desvelar muito de nossa história. Mesmo que não use estes termos, nem esteja perto do Grupo, encontramos em Jessé Souza, pesquisador e cientista político brasileiro, muitos elementos de seu pensamento que dialogam as perspectivas do Grupo, quando de suas pesquisas e análises sobre as estruturais desigualdades no país, como vimos. A colonialidade do poder, por exemplo, é um desses elementos de proximidade entre ambos os pensamentos.

Comungamos da crítica que Ballestrin faz ao M/C quando aponta que,

Uma questão importante que não povoa o imaginário pós-colonial e decolonial do Grupo Modernidade/Colonialidade é a discussão sobre e com o Brasil. Esse é um ponto problemático, já que a colonização portuguesa – a mais duradoura empreitada colonial europeia – trouxe especificidades ao caso brasileiro em relação ao resto da América. O Brasil aparece quase como uma realidade apartada da realidade latino-americana. É significativo o fato de não haver um(a) pesquisador(a) brasileiro(a) associado ao grupo, assim como nenhum cientista político – brasileiro ou não. Também o grupo foi atingido pelo “complexo de Colombo” (Melman, 2000). Assim, ele privilegia a análise da América hispânica em detrimento da portuguesa e chama pouca atenção aos processos de colonialidade e subimperialismo dentro do continente, à exceção dos Estados Unidos. (2013, p. 111).

É neste ponto, portanto, que reside nossa importância e emergência em aproximar os estudos de Jessé Souza ao pensamento de base decolonial e suas várias nuanças e paradigmas para elucidar as muitas desigualdades e opressões fundantes por estas terras, que tem nas estruturas coloniais de dominação, a sua base. Acreditamos que o pesquisador brasileiro e o Grupo M/C têm muito a trocar neste sentido.

Em Grosfoguel (2008), a expressão “Colonialidade do Poder” significa um,

Processo fundamental de estruturação do sistema-mundo moderno/colonial, que articula os lugares periféricos da divisão internacional do trabalho com a hierarquia étnico-racial global e com a inscrição de migrantes do Terceiro Mundo na hierarquia étnico-racial das cidades metropolitanas globais. Os Estados-nação periféricos e os povos não-europeus vivem hoje sob o regime da “colonialidade global” imposto pelos Estados Unidos, através do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, do Pentágono e da OTAN. As zonas periféricas mantêm-se numa situação colonial, ainda que já não estejam sujeitas a uma administração colonial. (p. 126)

Para além de formas de um nacionalismo patrioteiro, perdido em suas próprias convicções e esvaziado de sentido, uma possível saída desta condição de relação servil-colonial de que nos fala Grosfoguel seria cultivar relações que destoam dos chamados Estados-nação, e que também não se pode aplacar pelas fronteiras geográficas, tampouco pelas relações comerciais. Seria construir laços com outros sujeitos que vivenciam processos de subordinação nas mais diferentes áreas deste sul global, de modo a desvelar práticas opressoras e identificar pontos de similitude nestas práticas. Isto se daria por meio de uma leitura crítica de mundo que “a partir de uma crítica indignada da ordem social dominante e a partir da identificação com visões de futuro alternativas, busca contribuir para a constituição de diversos setores subalternos como sujeitos de transformação, incidindo em diferentes âmbitos de sua subjetividade, mediante estratégias pedagógicas dialogais, problematizadoras, criativas e participativas” (TORRES, 2013, p. 19).

Nas análises de Ballestrin com relação ao legado do Grupo M/C, configura-se:

Dentre as contribuições consistentes do grupo, estão as tentativas de marcar: (a) a narrativa original que resgata e insere a América Latina como o continente fundacional do colonialismo, e, portanto, da modernidade; (b) a importância da América Latina como primeiro laboratório de teste para o racismo a serviço do colonialismo; (c) o reconhecimento da diferença colonial, uma diferença mais difícil de identificação empírica na atualidade, mas que fundamenta algumas origens de outras diferenças; (d) a verificação da estrutura opressora do tripé colonialidade do poder, saber e ser como forma de denunciar e atualizar a continuidade da colonização e do imperialismo, mesmo findados os marcos históricos de ambos os processos; (e) a perspectiva decolonial, que fornece novos horizontes utópicos e radicais para o pensamento da libertação humana, em diálogo com a produção de conhecimento. (2013, p. 110)

É importante aqui salientar que, “a decolonialidade (…) não se constitui num projeto acadêmico que obrigaria aqueles que a adotassem a citar seus autores e conceitos chaves, nem se constitui numa espécie universalismo abstrato (um particular que ascende à condição de um desígnio universal global). Caso isso ocorresse, estaríamos nos deparando com um novo colonialismo intelectual não mais da Europa, mas da América Latina”(GROSFOGUEL; COSTA, 2016, p. 20).Para além de academicismos, é sentir a marca colonial e as raízes da colonialidade, portanto, compreendendo e problematizando-as, insurgindo-se contra elas no sentido de “recuperar ou criar a possibilidade de dizer a sua palavra, de fazer com que a revolta e a indignação contra as condições opressivas se transformem numa força potencializadora de mudanças” (STRECK, 2006, p. 108). Não uma rebelião ingênua e esvaziada de sentido e forma, mas tomando força e ação direcionadas como instrumento de luta. Se negar não é possível, trabalhar lucidamente com a modernidade, superando assim a colonialidade e a desumanização que ela nos deixou como legado, é emergencial.

Nesse sentido, se continuarmos a compreender os setores populares, os subalternos, os pobres e a própria cultura da pobreza como lacunar, inferior, atrasada, antirracional, não os enxergaremos como legítimo outro, com um sistema diferente de viver, pensar, responder com outras lógicas os desafios colocados pela vida. Ao contrário de carente e/ou lacunar, incompleto, o/a outro/a poderia ser visto/a fundamentalmente como diferente, particular e genérico/a, capaz de interpretar e (re)inventar a vida no jogo dramático de sua vida cotidiana. (TAVARES, 2009, p. 03)

Partindo da premissa da de/descolonização entraríamos com isso num processo de “aprender a desaprender”, ou seja, desconstruir os saberes até então embutidos numa “razão imperial/colonial”. Neste debate de afirmação e reafirmação de identidade, Rigoberta Menchú Tum[16] descreve seu povo maia da Guatemala numa perspectiva de autovaloração, afirmando suas potencialidades e sua contribuição para o mundo, denunciando ainda usurpações de práticas e culturas milenares. Não se trata, como já discutimos, de romantizar saberes, mas exercer uma crítica com vistas ao crescimento e à solidez, que perpassam pela identidade e identificação e, sobretudo, pelo orgulho, dignidade e valor: um legítimo outro.

Assim que, De/descolonizar significaria a substituição “de pensamento que não é fundamentada no grego e no latim, mas no quechua e no aymara, nos nahuatls e tojolabal, nas línguas dos povos africanos escravizados que foram agrupadas na língua imperial da região e que reemergiram no pensamento e no fazer descolonial verdadeiro: Candomblés, Santería, Vudú, Rastafarianismo, Capoeira, etc.” (MIGNOLO, 2003, p. 292). E mais ainda: “Ao ligar a descolonialidade com a identidade em política, a opção descolonial revela a identidade escondida sob a pretensão de teorias democráticas universais”. Identidade em política seria então o pensar para além das formas preestabelecidas de um canonismo acadêmico, portanto, teórico e unilateral. É pensar ainda e consequentemente que “o poder não está no Estado, mas nas pessoas politicamente organizadas” (MIGNOLO, 2003, p. 313). E isto perpassa pelo campo da estreita relação com as práticas educativas dos movimentos sociais, por meio da cotidiana discussão e problematização de suas realidades e epistemes, que desvela, como resultado, a colonização intelectual e cognitiva submersas em pretensas universalidades.

Relacionado a isso, afirma Dussel (2016, p. 67), “Para resistir, é necessário amadurecer. A afirmação dos próprios valores exige tempo, estudo, reflexão, retorno aos textos ou símbolos e mitos constitutivos de sua própria cultura, antes ou ao mesmo tempo do domínio dos textos da cultura hegemônica moderna”. Isto porque: “o movimento de construção de uma sociedade alternativa implica a construção de um novo saber, de uma nova cultura, de uma nova concepção do mundo e dos sujeitos empenhados nessa construção” (ARROYO, 1989, p. 17).Seria assim, não enxergar mais semelhanças e diferenças, mas semelhanças nas diferenças (MIGNOLO, 2003), afirmando a colonialidade, a diferença colonial, como forma de se tornar de/descolonizadamente livre, saindo dos sistemas centrais moderno-coloniais para as suas margens e periferias. Fazer este deslocamento implica em abandonar cânones enraizados e tidos como corretos e magistrais. Não negando a importância da ciência ocidental e suas formas de conhecimento. Ao contrário, afirmá-las, para que se entenda enquanto outras formas de saberes e como o processo de colonialidade se deu na modernidade, que resultou na colonialidade do ser, do poder e do saber; de forma a demonstrar e atestar que esses projetos não nasceram ‘do nada’ e que tampouco são universais, mas foram construídos como forma de sobrepôr seus saberes aos saberes de tantos outros povos.

Walter Mignolo, talvez o crítico mais ferrenho e radical do grupo M/C, este argentino e semiótico diverge epistemologicamente de seus colegas em muitos aspectos, (o que é bastante razoável e saudável em certo sentido). Um desses pontos de divergência se dá quando, para ele, melhor que política de identidade, a identidade «NA» política faz «um movimento necessário de pensamento e ação no sentido de romper as grades da moderna teoria política, que é, mesmo que não se perceba, racista e patriarcal» (2003, p. 287). Atenta também que a desobediência civil e a epistêmica são emergenciais e mais que necessárias, pois, ambas, e juntas, conseguirão fazer um movimento na tentativa de diluição das bases eurocêntricas dos discursos hegemônicos até então apresentados à humanidade. Contudo, o que se trata não é de sepultar conceitos historicamente sistematizados, tampouco as ideias pós-coloniais de Lacan, Foucault, Derrida e Spivak, por exemplo, mas afirmar uma outra forma de epistemologia que esteja em debate lado a lado com as demais já consolidadas, pois “essa é a opção descolonial que alimenta o pensamento descolonial ao imaginar um mundo no qual muitos mundos podem co-existir” (ídem, p. 296).

Gerard Chaliand, em 1961, escreve no epílogo da obra de Frantz Fanon, Os Condenados da Terra: “Fanon describe la transición liberadora en que el colonizado, pasando a la violencia contra un orden y un amo todo-poderoso, rompe de manera radical la inferiorización en que se mantenía. Gracias a ella, recobra su dignidad y su identidad anulas por el colonialismo[17]”(2009, p. 307).

Recobrar esta dignidade, cujo colonialismo anulou, só pode ser feita com compreensão crítica e em rede de contato e solidariedade coletiva, de forma constante e primeiramente com os povos do sul. Portanto,

O diálogo intercultural não é apenas – ou principalmente – um diálogo entre os apologistas de suas culturas, que tentaram mostrar aos outros as virtudes e os valores de sua própria cultura. É, sobretudo, um diálogo entre os críticos de sua própria cultura (intelectuais da “fronteira” entre a própria cultura e a Modernidade). Não são os que simplesmente a defendem de seus inimigos, mas que primeiramente a recriam a partir de pressupostos críticos que se encontram em sua própria tradição cultural e da mesma Modernidade que se globaliza. A Modernidade pode servir como catalisador crítico (se utilizada pela mão especialista de críticos da própria cultura). No entanto, não é um diálogo entre os críticos do “centro” e os críticos da “periferia” cultural. É, sobretudo, um diálogo entre os “críticos da periferia”, um diálogo intercultural Sul-Sul, antes de ser um movimento para o diálogo Sul-Norte”. (DUSSEL, 2016, p. 10)

O “diálogo intercultural sul-sul” de que nos fala Dussel teria como premissa a disposição e a lucidez de se fertilizarem mutuamente debatendo criticamente a partir de seus lugares, por meio de suas questões e demandas. Seria formar redes e elos afetivos a fim da obtenção de proteção e ajuda mútua, de forma que se caminhe rumo a “uma utopia transmoderna. Trata-se de uma estratégia de crescimento e criatividade de uma cultura não só decolonizada, mas renovada” (DUSSEL, 2015, p. 70). A saída dos espaços e da condição de subserviência epistêmica (ADAMS e STRECK, 2012) pode se dar pelo conhecimento de si e do outro mediada pela compreensão histórica e social entre diferentes grupos; de forma que se fortaleçam entre si e se tornem legitimamente mais afinados para entenderem e assim combaterem as relações de dominação de uma hegemonia eurocêntrica. Por meio da formação desta rede transnacional, reconhecendo as diferenças e tendo alteridade nas relações e com isso articulando essa compreensão às suas formas de organização, é que se configura, na produção coletiva dos conhecimentos, na dimensão dialógica e emancipatória, a própria sobrevivência desses grupos.

Para somar com este projeto de rede transnacional, de proteção e ajuda mútua podemos trazer os escritos de Walsh quando coloca que a interculturalidade e a decolonialidade caminham juntas:

Construir a interculturalidade –assim entendida criticamente – requer transgredir, interromper e desmontar a matriz colonial ainda presente e criar outras condições de poder, saber, ser, estar e viver que se distanciam do capitalismo e sua única razão. De forma similar, a decolonialidade não terá maior impacto sem o projeto e esforço de interculturalizar, de articular seres, saberes, modos e lógicas de viver dentro de um projeto variado, múltiplo e multiplicador, que aponta para a possibilidade de não só co-existir senão de conviver (de viver “com”) numa nova ordem e lógica que partem da complementaridade e das parcialidades sociais. (2012, p. 09)

‘A vida é um combate interminável’, dizia Fanon em Os Condenados da Terra (2009). Em nosso caso, dentro destes intensos e históricos combates, que, como vimos, se deu de inúmeras formas, fomos tornados a periferia-sul do mundo quando subalternizados pela Europa, EUA e Centro-Norte, quando criada foi uma perspectiva evolutiva de humanidade em que se aceitaram escalas de países de 1º, 2º e 3º mundos, por exemplo. Impôs-se uma desvalorização calcada na subjetividade cultural e epistêmica dos países do sul, de Abya Yala, controlados pelos países ditos avançados, ou seja, os que detêm o poderio econômico, financeiro e bélico, os do norte. Desta forma, fomos tornados reféns da dupla ‘colonialismo e colonialidade’, pois “enquanto o colonialismo tem claras ligações geográficas e históricas, a colonialidade atua como uma matriz subjacente do poder colonial que seguiu existindo após as independências políticas de nossos países e que hoje se perpetua pelas variadas formas de dominação do Norte sobre o Sul” (ADAMS e STRECK, 2012, p. 247).

Assim como a colonialidade, a educação atravessa todos os aspectos da vida, e é dentro desta conjuntura, que acima apresentamos, que pretendemos compreender de forma crítica, tendo como base a epistemologia decolonial, a realidade de um espaço de Educação Popular, que tem suas peculiaridades e subjetividades como qualquer outro. Nossa hipótese é que este espaço-local de pesquisa seja um fragmento do que ocorre em nível sul-global, em outras experiências decoloniais de educação, cujo objetivo seja o mesmo: o de defender a autonomia intelectual dos povos de latinoamérica, tornando-nos condutores de nossas próprias jangadas, mas que ainda somos postos em condições periféricas de ser, de poder, de saber (QUIJANO, 2005) e de, portanto, existir. Neste contexto, ser considerado subalternizadx, mas tornar-se mambembe, torna-se uma estratégia de resistência e reexistência, portanto, de insurgência.

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[1]Boaventura de Souza Santos desenvolveu o conceito de Epistemicídio, que é um movimento que trata de aniquilar qualquer sabedoria de povos considerados aquém de demais civilizações, no caso os europeus, frente aos povos indígenas e africanos, por exemplo. Seria assim um genocídio de suas epistemes, de suas práticas, de suas místicas, de seus costumes, visando à imposição da história única, de um saber não-plural, mas ancorado em bases europeias de sustentação e difusão. Essencialmente racista e classista, por assim dizer. No Brasil, a maior referência no assunto é a filósofa Sueli Carneiro, que em sua tese de doutoramento pela Universidade de São Paulo, em 2005, afirma que o epistemicídio é um “fenômeno que ocorre pelo rebaixamento da auto-estima que o racismo e a discriminação provocam no cotidiano escolar; pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do Continente Africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade; pela imposição do embranquecimento cultural e pela produção do fracasso e evasão escolar. A esses processos denominamos epistemicídio”.

[2] Para o aprofundamento deste conceito, ver mais em: GROSFOGUEL, Ramón. Racismo Epistêmico, Islamofobia Epistêmica e Ciências Sociais Coloniais. Tabula Rasa [online]. 2011, n.14, pp.341-355. ISSN 1794-2489.

[3] Como forma de respeito às questões de gênero e sexualidade, e por entender e defender que tais questões são bastante multiformes, procuramos utilizar neste trabalho uma escrita não-binária e anti-patriarcal em que o uso do X, no lugar da letra que empregaria o gênero, faz-se presente muitas vezes em palavras que seriam escritas comumente de forma genérica, isto é, privilegiando o gênero masculino. Contra-hegemônica, por assim dizer, esta opção seria também uma forma de resistência e insurgência, de luta e de reinvenção de novos caminhos, pois: “nuestra rebeldía es nuestro NO al sistema. Nuestra resistencia es nuestro SI a otra cosa posible”[3] (EZLN, 2015, p. 221), aqui, a começar pela palavra escrita, que precisa ser reexistida nos escritos acadêmicos.

[4] Entendemos por “territórios do sul”, povos oprimidos de latinoamerica, do sul global, não deixando de fora, contudo, povos de África e Ásia, que também sofrem opressões dos povos “do norte”. Em outras palavras, o que se entende por sul, são povos fora da Europa e Estados Unidos que sofreram (e até hoje sofrem) as consequências das expansões capitalistas, que expropriou as riquezas materiais e aniquilou muitas das culturas dos povos do sul.

[5]Tradução minha: Quando você mora na fronteira as pessoas andam através de você, o vento rouba sua voz(…) você deve viver sem fronteiras sendo uma encruzilhada.

[6]Tradução minha: estes dois autores conceberam a descolonização não só como uma não dependência entre metrópoles e colônias ou entre países do norte e países do sul, senão como um desmonte das relações de poder e de concepções do conhecimento que fomentam a reprodução de hierarquias raciais, geopolíticas e de imaginários que foram criadas no mundo moderno/colonial.

[7] Sobre o assunto, ver mais em: https://www.geledes.org.br/africa-lugar-das-primeiras-descobertas-invencoes-e-instituicoes-humanas/

[8] Ditado popular que quer dizer: apenas aparentemente, que de nada vale. Remete ao tempo da escravidão, quando o Brasil não queria ceder às pressões da Inglaterra quanto à extinção do tráfico de escravos e apenas fingiam que faziam, “para inglês ver”.

[9] O verso de jongo fala sobre a “eleição” de um coronel que era fraco e ineficiente como a árvore de embaúba. Os escravos se utilizavam da oralidade, por meio das cantigas e das metáforas, para se comunicarem entre si e não se fazerem entender pelos brancos. Uma maneira de comunicação e também de sobrevivência.

[10]Abissal (assim como pós-abissal) é um conceito desenvolvido por Boaventura de Souza Santos (2007), que quer dizer a frequente desqualificação de saberes considerados menores e seu consequente apagamento. O pensamento abissal atinge, pela invisibilidade, aquilo que é considerado outro. A saber: “No campo do conhecimento, do pensamento abissal que consiste na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso, em detrimento de dois conhecimentos alternativos: a filosofia e a teologia. O caráter exclusivo deste monopólio está no cerne da disputa epistemológica moderna entre as formas científicas e não-científicas de verdade (SANTOS, 2007, p. 3)

[11]Tradução minha: os sujeitos se posicionam, que atitude tomam, a atitude é o ângulo de aproximação e de abertura a um fenômeno ou a um problema em particular. Isto muitas vezes determina o que se tomará como evidência diante de um problema, que tipo de problemas vão se reconhecer como significativos e que outros não vão.

[12] Frase de autoria da filósofa, teórica e revolucionária marxista polaco-alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919), que completa, é: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”.

[13]Tradução minha: Se parte de que todos os humanos têm um saber derivado do mundo em que habitam e das práticas que se desenvolvem no cotidiano de suas vidas.

[14]Apesar de, em textos mais recentes, Walsh, ter rompido de vez com o Estado, quando ela deixa de “crer na possibilidade da radical refundação e transformação estatal” (2017, p. 30) informando inclusive que a palavra deve ter seu ‘E’ escrito com letra minúscula, dada a sua não representatividade para a maioria dos povos; ainda acreditamos que podemos ter algumas conquistas importantes e consideráveis se não deixarmos de lutar também pelas vias burocráticas e institucionais, para chegarmos um dia a não precisar mais dEle.

[15] Sumak Kawsay – é uma expressão da língua Quíchua/Aymará, povos tradicionais dos Andes, que quer dizer: “bem viver”, plenitude de vida. Sumak: plenitude, Kawsay: viver.

[16] Indígena guatemalteca do grupo Maia-Quiché, ativista dos direitos humanos, principalmente em favor dos povos indígenas, e Prêmio Nobel da Paz em 1992. É autora de: Meu nome é Rigoberta Menchú e assim nasceu minha consciência. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

[17]Tradução minha: Fanon descreve a transição libertadora na qual o colonizado, passando à violência contra uma ordem e um amo todo-poderoso, rompe radicalmente com a inferiorização em que foi mantido. Graças a ela, recupera sua dignidade e sua identidade anuladas pelo colonialismo.

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Noelia Rodrigues Pereira Rego

Doutora em Educação – UNIRIO Educadora Popular – CEPL – Coletivo de Educação Popular e Libertária