O ‘Nexo’ conversou com pesquisadores atrás de dicas sobre como aproveitar o momento político nas aulas
A crise política segue se agravando com a divulgação de diálogos entre Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a nomeação do ex-presidente como ministro e a presidente classificando a condução da Operação Lava Jato como ilegal.
Uma das consequências da turbulência é o clima de guerra que se instaura nas redes sociais e nas ruas, onde confrontos violentos entre partidários de diferentes visões têm ocorrido.
Para pesquisadores da área da Educação consultados pelo Nexo, o momento político em rebuliço captura a atenção dos estudantes, o que traz a oportunidade para discutir história do século 20, noções de cidadania e técnicas de construção de textos.
Veja abaixo a crise pode ser usada em sala de aula.
Busque imparcialidade#
O professor tem um posicionamento político sobre a crise, mas ele deve buscar ao máximo a imparcialidade, sob o risco de ser taxado de doutrinador e perder a atenção dos alunos.
Segundo Antonio Augusto Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), estudantes de ensino médio já devem ter as suas próprias opiniões, enquanto os do Fundamental I tendem a trazer as opiniões da família.
Em qualquer um dos casos, o professor deve se esforçar para não soterrá-las com a sua própria visão e autoridade dentro da sala de aula.
“Ele deve mostrar a sua avaliação, mas abrir a possibilidade de que o aluno se contraponha a ela. Se for usar textos jornalísticos, pode abrir espaço para um blog pró ou próximo do governo e um veículo de oposição. A internet está aí e o aluno sabe que há uma grande diversidade de informação”
Adeque o nível do debate#
Para Luiz Carlos Villalta, professor de História do Brasil na UFMG, é necessário adequar o tema abordado à faixa etária dos alunos.
Alunos mais novos, do ensino fundamental, de seis a 14 anos, estão preparados para lidar com questões mais ligadas à civilidade, como a tolerância entre partidários de diferentes ideias.
“O grande perigo agora é a intolerância e a violência, que são um risco para a democracia brasileira tão nova e tão frágil. Há pessoas sendo agredidas fisicamente e verbalmente por ter posições políticas, e isso deve ser combatido na sala de aula.”
Para alunos mais velhos, do ensino médio, de 15 a 17 anos, ele sugere trabalhar também temas históricos e de filosofia política.
Use o noticiário#
Batista, do Cenpec, recomenda o uso de textos jornalísticos orais e escritos opinativos. Eles são ótimos materiais para discutir como a construção de uma frase muda a forma como ela pode ser interpretada.
“Tudo na linguagem tem efeito. Um título pode dizer ‘estudantes são mortos’, ‘estudantes são mortos pela polícia’ ou ‘a polícia mata estudantes’. Só o uso do agente, se está como sujeito, se está na voz passiva ou se está omitido representa um certo posicionamento editorial mais ou menos crítico sobre aquele fato.”
A leitura de editoriais pode ser uma ótima forma de captar técnicas de argumentação.
“‘Isto não significa aquilo’, ‘não se pode pensar isso’. Ao mostrarem o argumento contrário, esses textos permitem localizar contra quem está falando”, diz.
Não parta do princípio de que os alunos estão a par de tudo#
Pela própria limitação de tempo e espaço do jornalismo, no entanto, os textos podem ser difíceis de entender para quem não está acompanhando diariamente o noticiário. O professor não pode cometer o mesmo erro.
Quando propõe discutir um texto, é tarefa sua identificar essas lacunas de entendimento e explicá-las em sala de aula.
«Umberto Eco dizia que o texto é um mecanismo preguiçoso, que vive do conhecimento que o leitor vai trazer. O professor de português tem que trazer o conhecimento que o leitor não tem.»
Relacione a história recente com o passado#
Entre as linhas de abordagem sugeridas por Villalta, da UFMG, está a persistência do patrimonialismo no governo brasileiro.
“É um problema que vem da Península Ibérica. A Corte de Dom João VI era extremamente corrupta. Isso não desaparece com a Independência, com a República, com a redemocratização etc. A identificação dessa constância em vários governos é fundamental.”
A professora da PUC Maria Angela Barbato Carneiro, que estuda políticas públicas de educação avalia que “essas questões éticas e morais que ocorrem não estão só no momento presente simplesmente, são um acúmulo de uma bola de neve histórica.”
Por: André Cabette Fábio – NEXO