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Brasil: «PEC do teto dos gastos vai trazer danos graves à educação»

Para a diretora global de Educação do Banco Mundial, o congelamento de investimentos no ensino será um «desastre» para as novas gerações e comprometerá a produtividade dos futuros trabalhadores no Brasil.

O Senado vota nesta terça-feira (13/12), em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, conhecida como PEC do teto dos gastos públicos. Elaborada como uma tentativa de conter a crise econômica, a proposta fixa um limite para os gastos do governo pelos próximos 20 anos.

No primeiro turno, realizado no final de novembro, os senadores aprovaram a proposta por 61 votos favoráveis e 14 contrários. Se a PEC 55 for aprovada, a partir de 2018 os investimentos mínimos para educação e saúde deixam de crescer proporcionalmente à receita do país e passam a ficar congelados – corrigidos apenas pela inflação do ano anterior.

Como se trata de um piso, e não de um teto, é possível, na teoria, que a União invista mais que o mínimo estipulado. Mas como todas as outras áreas estarão com seus orçamentos limitados, é improvável que sobre dinheiro para gastos extras com educação e saúde.

Em entrevista à DW Brasil, Claudia Costin, diretora global de Educação do Banco Mundial, afirma que os impactos da PEC 55 serão danosos às futuras gerações de alunos. «O Brasil continuará com o desastre educacional que tem hoje.»

Claudia já foi secretária de Educação da cidade do Rio de Janeiro, de Cultura do estado de São Paulo e ministra da Administração e Reforma do governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, vive nos Estados Unidos, onde leciona na Faculdade de Educação de Harvard. Segundo ela, é imprescindível que o Brasil invista mais nos salários e na formação dos professores para aumentar a produtividade dos novos trabalhadores brasileiros.

«Se não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país será uma promessa falida», afirma Claudia.

DW Brasil: Como a senhora avalia os impactos da PEC 55 para a educação?

Claudia Costin: Estamos com um problema sério e de longo prazo. Acredito que a PEC 55 vai trazer danos graves para a educação, sem ganhos significativos do ponto de vista fiscal. Não sou contra medidas de austeridade. Houve uma gestão irresponsável das contas fiscais, gastando-se mais do que se podia. Mas na tentativa de correção do problema, é fundamental preservar a educação. Normalmente, quando países têm problemas fiscais, ao menos os mais desenvolvidos, eles preservam a educação dos cortes. O Brasil optou por não fazer isso. É uma grande pena.

Qual será o ponto mais prejudicado pelas novas regras para investimentos em educação?

Muitos olham para os números e dizem que o Brasil já gasta muito com educação. Isso não é verdade. Países que deram saltos na qualidade da educação tiveram de aumentar os investimentos durante um certo período. Não estamos fazendo o mesmo. Pelo contrário. Hoje, não investimos o suficiente no ensino básico e pagamos mal os professores. Acredito que o mais complicado será lidar com a questão da atratividade da profissão de professor, que vai continuar baixa pelos próximos 20 anos. Caso não se estabeleça um mecanismo de revisão logo (antes dos dez anos previstos pela proposta), o Brasil vai continuar com o desastre educacional que tem hoje.

Quais serão as consequências de não se adotar esses investimentos?

O impacto direto é condenar o Brasil a uma baixa qualidade da educação das crianças por um período de 20 anos. Nenhum sistema educacional é melhor que a qualidade de seus professores. Melhorar o salário do professor é uma das medidas mais importantes para aumentar a atratividade da licenciatura, para aqueles jovens que ainda vão escolher que profissão seguir. Pesquisas mostram que os piores alunos tendem a escolher profissões de baixa atratividade. Corrigir esses salários demanda um esforço importante, constante e progressivo. Ao congelarmos os gastos por 20 anos, isso não poderá ser feito. Não é a única medida para melhorar a educação, mas é uma das mais importantes.

O que pode ser feito para melhorar a educação no país, independentemente da quantidade de recursos investidos?

O ideal seria, pelo menos, aprovar revisões dos valores dos investimentos antes dos dez anos – como prevê a PEC 55. Mas mesmo se isso não passar, será preciso mudar a universidade que forma os professores. Tornar a faculdade de educação e a licenciatura mais profissionalizantes, preparar melhor os universitários para a profissão de professor. Também temos de pensar na criação de um processo de ensino mais adequado para os jovens e adotar um currículo nacional comum (a base nacional curricular comum já está em processo de elaboração pelo governo), que defina claramente as expectativas de aprendizagem dos alunos brasileiros.

É preciso que este currículo seja muito mais adequado para as demandas do século 21: que forme jovens que saibam pensar, aplicar conceitos em situações reais, ler e interpretar textos de forma analítica. Tudo isso demanda um professor mais bem preparado. É um esforço que temos de fazer independentemente da PEC do teto dos gastos públicos.

Em que sentido é preciso melhorar a formação dos professores?

Hoje, a formação dos professores é excessivamente focada nos fundamentos da educação, como sociologia da educação, história da educação, filosofia da educação. Os currículos das universidades que formam professores trabalham muito pouco com a prática. Os cursos de Engenharia e Medicina, por exemplo, preparam o futuro engenheiro ou médico com uma abordagem prática e reflexão sobre a prática muito maior.

Em educação, isso não acontece. É urgente mudar os currículos de formação de professores pelas universidades e os concursos públicos das secretarias municipais e estaduais de educação para selecionar professores que, durante sua formação, tenham desenvolvido sua competência de ensinar de forma mais prática, com maior enfoque na didática.

Caso essas mudanças não sejam adotadas, como a senhora vê o país daqui a 20 anos?

Vejo o país estagnado. Uma das questões mais preocupantes que observamos na economia brasileira é a da produtividade, que está estagnada em um patamar muito baixo. Com uma produtividade baixa, e ela tem uma correlação importante com a qualidade da educação e o crescimento econômico de longo prazo, não vamos crescer. Com menos investimentos em educação, não vamos conseguir preparar os jovens para o futuro do mercado de trabalho. Hoje, vários cargos que demandam atividades manuais e intelectuais rotineiras estão se tornando obsoletos e desaparecendo por causa da automação do trabalho.

O que está sendo cada vez mais valorizado no mercado é a capacidade de criação, concepção, reflexão crítica, comunicação. E essas habilidades dependem de uma educação mais sofisticada e de melhor qualidade. Se não conseguirmos avançar nessas medidas, estaremos condenados a uma educação de baixa qualidade, e o Brasil não vai conseguir crescer economicamente. O país será uma promessa falida. O que garante o crescimento econômico de longo prazo, especialmente inclusivo, que diminua a desigualdade, é a educação de qualidade. Se o Brasil colocar no seu projeto de nação a educação como um eixo estruturador, e investir nela, poderemos ser um país diferente.

A senhora conhece outros países que já adotaram medidas semelhantes ao que a PEC 55 propõe para a educação?

Não. No Brasil, quem usa os serviços de educação e saúde públicas são, em geral, as pessoas mais pobres. A classe média frequenta pouco as escolas públicas e os serviços de saúde do governo. Num país tão desigual como o nosso, estaremos atingindo os mais pobres. Com certeza, há outras formas de cortar gastos sem prejudicar investimentos em educação e saúde.

Em oposição à PEC 55 e à Medida Provisória da reforma do Ensino Médio (que, entre outros pontos, diminui a quantidade de disciplinas obrigatórias da grade curricular), milhares de estudantes ocuparam escolas de todo o país. Como a senhora avalia este movimento estudantil?

Durante muito tempo, o sistema educacional brasileiro tratou os jovens de forma um pouco infantilizada, como se não pudessem ser protagonistas de sua própria vida escolar. Na Finlândia, por exemplo [país com desempenho educacional excelente], as escolas não chamam os pais para discutir comportamento de alunos de Ensino Médio. Eles chamam o próprio aluno. O estudante tem de perceber que a educação dele depende do seu protagonismo. Ele é o principal ator na construção dos seus sonhos e na sua vida escolar. Quem vai sair perdendo se a qualidade da educação ficar congelada ou se deteriorar ainda mais vai ser justamente esta geração.

Por isso, vejo esse movimento estudantil de forma positiva, embora eu concorde que o ensino médio brasileiro, com uma média de quatro horas de aula por dia e 13 disciplinas, está insustentável. Precisamos criar trilhas diferentes de educação, em que o aluno possa escolher disciplinas e não cursar durante os três anos as 13, ou 15 em alguns estados, matérias obrigatórias. Se olharmos para os 30 primeiros países no ranking do Pisa, nenhum deles têm mais de seis matérias, e todos têm carga horária maior que quatro horas de aula por dia. É uma pena que a reforma tenha sido proposta por medida provisória, mas ao meu ver ela é necessária.

O Brasil obteve resultados ruins no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2015, ocupando a 59ª posição em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática, de um total de 70 países avaliados. Por que o desempenho brasileiro foi tão fraco?

O Brasil está estagnado há várias edições do ranking. O Pisa enfatiza a área de ciências, de letramento científico. Em primeiro lugar, estamos com professores muito mal formados para sua função. A universidade não prepara adequadamente professores no Brasil. Um professor de química, por exemplo, tem em média três anos e meio de aulas de química e um ano, ou menos, de aulas de fundamentos da educação. Mas não aprende a didática da química, ele não aprende a ensinar os alunos a pensar cientificamente. A prova Pisa pede exatamente esta competência: aplicar conceitos científicos para resolver problemas do dia a dia.

Os nossos professores não estão sendo preparados para isso. Além disso, dada a baixa atratividade da carreira, considerando os salários, condições e perspectivas, os melhores alunos do ensino médio não escolhem tornar-se professores. E mesmo os que já estão na faculdade de Química, Física e Biologia, por exemplo, na hora de fazer a licenciatura, optam apenas pelo bacharelado, porque o mercado paga muito mais que a sala de aula. A somatória das duas coisas, a baixa preparação da universidade e os salários reduzidos, explica boa parte do problema.

Fonte: Nathalia Tavolieri, DW

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Brasil: PEC 241: especialistas veem ameaça ao Plano Nacional de Educação

Para educadores, congelamento põe em risco ampliação da rede num país onde 3 milhões não estudam

Para Naercio Menezes Filho, do Insper, educação básica deve ser preservada, mas superior pode sofrer

A PEC 241, proposta de emenda à Constituição que propõe congelar os gastos do Governo federal por até 20 anos, causou pânico nos educadores, que há pouco mais de dois anos comemoravam a aprovação do Plano Nacional de Educação. Ambicioso, o plano exigia um aumento de investimento da União para que Estados e municípios pudessem ampliar suas redes e diminuir o déficit estrutural que contribui para que 3 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar estejam fora da sala de aula. Agora, sem a perspectiva de se ampliar a verba federal, temem que muito do proposto possa não ser alcançado no prazo e que acabe nem sendo cumprido no futuro, mesmo com uma melhora econômica, já que o Governo ficará desobrigado de destinar um percentual fixo de sua arrecadação para a área.

A PEC, aprovada no início desta semana em primeira votação na Câmara, fixa um teto para o Orçamento federal, delimitando seu crescimento ao que foi aplicado no ano anterior, corrigido pela inflação do período. Segundo o deputado governista Darcísio Perondi (PMDB/RS), relator da PEC, ao contrário do que acontecerá com as outras áreas, em saúde e educação não se aplicará o «teto». Segundo ele, o valor anterior reajustado pela inflação funcionará, nas duas áreas, como um «piso» e, portanto, elas poderão receber mais dinheiro, desde que essa verba seja tirada de outras áreas. «Na disputa por recursos, acredito que seria muito difícil aumentar os da educação e da saúde. Tendo em vista que a Previdência vai continuar aumentando e que outros grupos de pressão têm muito poder», destaca o economista do Insper, Naercio Menezes Filho, especialista em economia da educação.

Para a educação, a PEC traz ainda uma mudança mais profunda. Na prática, ela acaba com a obrigatoriedade prevista na Constituição de 1988 de que a União aplique na área 18% de sua receita líquida de impostos (o total de impostos arrecadados já descontadas as transferências que a União faz para Estados e municípios). A desvinculação dessa obrigatoriedade constitucional passa a valer no Orçamento de 2018, um ano depois da implementação do teto de gastos do Governo, se a proposta for aprovada no Senado e na segunda votação da Câmara, o que deve ocorrer até o final deste ano.

«A grande vantagem do sistema previsto na Constituição é que a educação responde ao ciclo econômico. Isso porque a estrutura de tributação do Brasil é basicamente em cima do consumo. A arrecadação, portanto, aumenta com o crescimento econômico», explica o professor da USP de Ribeirão Preto José Marcelino Rezende Pinto, ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca). Assim, diz ele, se no futuro a economia melhorar, as pessoas voltarem a consumir mais e, por isso, o valor arrecadado com impostos aumentar, não haverá a certeza de que a educação receberá esse aumento de forma proporcional, como ocorre hoje. «Vamos supor que o Brasil dobre o valor arrecadado com impostos. A educação também passaria a ter o dobro de dinheiro. Mas com a PEC isso não é garantido. A União poderá congelar em termos reais o gasto.»

É por isso, ressalta o professor, que os gastos da área subiram muito acima da inflação nos últimos anos, como ressalta o Governo Michel Temer. «Ele fala uma meia-verdade porque esses gastos subiram acima da inflação porque a economia cresceu acima da inflação. Quando olhamos o quanto do Produto Interno Bruto [PIB] vai para educação, vemos que os gastos com a área subiram pouco. A gente saiu de um patamar, no começo do Governo Lula, de 4,8% do PIB para uma média de 5,5% [há metodologias que consideram 6,2% em 2013]. Ou seja, não houve um crescimento absurdo.»

Um estudo feito pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, em agosto deste ano, analisa os possíveis efeitos da PEC 241 na educação. Segundo o levantamento, caso ela tivesse sido aplicada desde 2011, por exemplo, a área teria recebido menos recursos todos os anos. «Somente diante de um cenário de queda na arrecadação de impostos com inflação alta (como está a ocorrer no exercício de 2016 em relação a 2015) é que se verificaria melhora na aplicação dos recursos, ainda assim aquém do projetado em 2016 para a regra atual [da Constituição]», explica o consultor Marcos Rogério Mendlovitz no texto. Quando projetados os efeitos da medida a partir de 2017, os dados verificaram que somente em 2017, quando ainda se acredita que a arrecadação de impostos será baixa, não haveria perda de recursos em comparação com a regra constitucional -ainda assim, a PEC não valerá em 2017 para a educação, só em 2018. «A partir de 2018 já começaria a valer a perda, a qual se acentuaria rapidamente nos exercícios seguintes», diz o estudo, que projeta a arrecadação de impostos federais dos próximos anos com base em estimativas do PIB e da inflação feitas pelo Governo.

Pouco dinheiro

Mesmo com os avanços financeiros nos últimos anos, o dinheiro que atualmente se aplica na educação, segundo especialistas e gestores, ainda não é suficiente. Dados do Censo Escolar de 2015, divulgados neste ano, apontaram que 3 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos estavam fora da escola e, segundo o Plano Nacional de Educação, todas elas deveriam ser incluídas na rede de ensino até o final deste ano, uma regra que, por conta dos cortes Orçamentários promovidos desde o ano passado pelo ajuste fiscal, já seria dificilmente cumprida.

As metas estabelecidas pelo plano em 2014 exigiam um aumento da participação da União no financiamento da educação para que os Estados e municípios cumprissem as regras, uma pressão que vinha sendo feita pelos secretários da área. O financiamento da educação básica (creche ao ensino médio) acontece prioritariamente pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esse fundo é abastecido basicamente pelos tributos arrecadados pelos Estados e municípios, que, pela Constituição, são obrigados a destinar 25% de sua arrecadação para a educação. A União repassa para esse fundo uma verba complementar, equivalente a 10% do que é colocado pelos Estados e municípios. Esse dinheiro federal é destinado para os Estados e municípios que não conseguem, com a arrecadação própria,o valor mínimo anual estabelecido por aluno -em 2016, foi de 2.739 reais. Isso aconteceu, neste ano, com Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.

O Governo Temer garantiu que a PEC 241 não retirará esse complemento de 10% pagos ao Fundeb. Para Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e secretário da Educação de Tabuleiro do Norte (Ceará), isso não significa muito, já que os valores que a União repassa ao fundo são baixos e já precisariam aumentar. Ele prevê ainda que com o congelamento de gastos, municípios podem perder programas que dependiam de verba federal e funcionavam como um complemento na educação básica. Ele cita o Programa Dinheiro Direto na Escola, em que o Governo federal faz repasses diretamente para as escolas públicas para ajudar na compra de material didático ou em pequenas reformas estruturais, o Mais Educação, que oferece atividades em turno complementar para os alunos, estimulando o ensino integral, e o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa, que oferece auxílio, por exemplo, para pagar o deslocamento de professores para as atividades de capacitação. «São programas que a gente tem receio de que, em um cenário de escassez, possam sofrer cortes. Além disso, tem o Próinfância, que é um programa do Governo federal para financiar a construção de creches. Será que serão mantidos os investimentos dessas construções que são viabilizadas com recursos da União?», ressalta ele. «Como eu vou expandir novas turmas e a matrícula?».

Ensino Superior

Já Menezes Filho, do Insper, acredita que a educação básica não será tão afetada pela PEC. «Ela não vai diminuir os recursos gastos com a educação», diz ele, que defende a necessidade de o Governo tomar medidas para conter os gastos públicos, cujo crescimento, ao longo prazo, levaria a uma dívida insustentável e ao aumento da inflação. Mas ele ressalta, entretanto, que saúde e educação deveriam ter tido os gastos preservados, já que afetam a população mais pobre. «Mas a gente também tem que caminhar no sentido de eficiência, o que é um pouco negligenciado no debate. Você tem municípios como Sobral, no Ceará, que conseguiu alcançar um desempenho notável no quinto ano, com nota no Ideb [exame que mede o desempenho no ensino básico] perto de 9, acima de muitos países, inclusive da Espanha. E fez isso através de uma reforma de gestão, gastando melhor os recursos, com avaliações constantes, cobrança de resultados. Educação não é só dinheiro. Tem a ver muito com gestão, com a forma como você administra seus recursos.»

Ele ressalta, entretanto, que áreas como ensino superior devem ser mais afetadas pela PEC do que o ensino básico. «Os gastos com educação básica dependem do Fundeb e o Governo federal só complementa o Fundeb, porque não tem escolas, além das técnicas federais. O que vai ter que lutar por recursos é o gasto federal com a educação, nas universidades e os programas do Ministério da Educação», ressalta. As universidades federais já vivem uma crise financeira desde o início dos cortes do ano passado. Em muitas, bancas são feitas via Skype para evitar os custos dos deslocamentos de participantes e a energia está sendo racionalizada.

Fonte: Talita Bedinelli, El País

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Brasil: Os desafios do ensino superior para as mulheres com deficiência

Espaços não adaptados, professores despreparados e preconceito dificultam que elas concluam o ensino superior.

No computador, ao som do Dosvox (um software sintetizador de voz voltado ao público com deficiência visual), Thaiane Martins digita. Marca entrevistas, prepara pautas, se prepara. A moça de voz terna, que não abriu mão do curso superior, traz consigo a certeza de que a disputa é grande e as barreiras são muitas: não vai ser fácil entrar no mercado. “Deixei currículo em muitas empresas. Nenhuma me chamou, nem mesmo pra testes. Por isso, sempre me pergunto: ‘será que não me contratam pela competitividade do curso, ou pelo fato de eu ser deficiente?’. Eu sigo com essa dúvida”.

Esguia, de cabelos escuros e pulsos delicados, é estudante do quinto semestre do curso Jornalismo na Universidade Federal do Pará (UFPA). Deficiente visual de nascença, a moça foi diagnosticada com retinopatia da prematuridade nos primeiros meses de vida. A patologia, descrita como o crescimento desorganizado dos vasos sanguíneos que suprem a retina, atinge principalmente bebês prematuros que nascem abaixo do peso. Manifesta-se em diferentes níveis de gravidade; no mais extremo, pode gerar deslocamento da retina e ocasionar cegueira. Foi seu caso.

Ocultas pela voz meiga, as atribulações e asperezas da trajetória de Thaiane até o nível superior não são diferentes das ocorridas com tantas Pessoas com Deficiência (PCDs) no Brasil. Desde a infância, o espectro do preconceito se fez presente na vida da jovem. No Ensino Fundamental, os colegas de classe se recusavam a fazer atividades escolares com ela. No Médio, os alunos a excluíam das equipes de trabalho. Essa discriminação, aliada a fatores como técnicas educacionais não-inclusivas, arquiteturas escolares inacessíveis e despreparo e desinteresse docente, resultam no alarmante dado divulgado no Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Dos 41,6 milhões de deficientes acima de 15 anos – o equivalente a cerca de 22% da população nacional –, 61% não tinham instrução, ou possuíam somente o ensino fundamental incompleto.

Diante desses números, não posso deixar de me lembrar do livro Ação Cultural para a Liberdade, de Paulo Freire, no qual o autor escreve que “o analfabetismo nem é uma ‘chaga’, nem uma ‘erva daninha’ a ser erradicada (…), mas uma das expressões concretas de uma realidade social injusta”.

Creio que por isso foi árdua a busca por mulheres com deficiência que tivessem concluído ou cursassem o nível superior. Nas idas e vindas, encontramos algumas histórias dentre esse público reduzido e tão à margem da escolaridade. Talvez por timidez ou por ainda não terem concluído a graduação, algumas personagens confirmavam entrevistas e depois recuavam.

Como afirma a estudante de pós-graduação Hellen Raiol, “nós, pessoas com deficiência, mulheres com deficiência, precisamos provar constantemente,diariamente, que somos capazes”.

Ela começou a ter perdas visuais aos 16 anos. No furor de sua juventude, precisou aprender um novo jeito de olhar o mundo. Por ter nascido com retinose pigmentar, que se caracteriza por ser um conjunto de doenças oculares hereditárias que causam degeneração na retina e levam a perda visual gradativa, a mulher de cabelos negros como ébano hoje é considerada baixa visão – isto é, o declínio visual severo que não pode ser corrigido por tratamento, cirurgias ou óculos convencionais.

#PraCegoVer: No centro da imagem está Ellen. Ela olha pra câmera com um braço sobre a mesa da carteira escolar. Ao lado dela, notamos uma grande mochila preta. Foto: Lorena de Paula

#PraCegoVer: No centro da imagem está Ellen. Ela olha pra câmera com um braço sobre a mesa da carteira escolar. Ao lado dela, notamos uma grande mochila preta. Foto: Lorena de Paula

“Mas eu precisava seguir. Porque ser deficiente significa que vamos ter dificuldades e limitações, como qualquer outra pessoa! E que não é por isso que devemos recuar e não ir atrás de nossos sonhos”, confidencia.

E ela não só sonhou: realizou. Como sempre gostou de lidar com público e se identificava com a luta pela garantia de direitos e igualdade de oportunidade, Hellen ingressou em 2010 no curso de Serviço Social. No início da graduação, contudo, já precisou enfrentar o olhar de desconfiança de alguns colegas de turma.

“Percebi que existia certo distanciamento, uma resistência em se relacionar comigo. E que alguns deles achavam que eu, por ter deficiência visual, não raciocinava, não tinha opinião própria. Por essa ideia distorcida, muitas vezes, em trabalhos em grupo, meus colegas queriam me isentar da responsabilidade de realizar a tarefa. As dificuldades enfrentadas, contudo, não se restringiram ao preconceito inicial de alguns alunos da sala. Entre os desafios com que se deparou, destacam-se as barreiras atitudinais que dificultavam sua compreensão dos conteúdos estudados. “Por exemplo: em algumas aulas, os professores acrescentavam imagens aos slides, imagens importantes para entender o assunto e que eu não podia ter acesso por não conseguir enxergá-las”, ela cita, uma nota de aborrecimento tingindo sua voz. “Há muito ainda a ser trabalhado nas universidades, os docentes não receberam o devido preparo para o ensino de pessoas com deficiência. Em toda minha graduação, apenas um professor teve esse olhar inclusivo”.

Os demais professores, ou não a incluíam ou dificultavam sua participação. “Mas o mais grave foi quando um deles disse que achava que eu deveria ficar em uma “classe especial e não com os demais alunos”.

Despreparo e falta de informação

Na contramão, o francês Jean-François Deluchey, residente no Brasil há 12 anos, foi o professor que ofereceu formas de inclusão para Hellen em suas aulas. Ele atribui o despreparo docente à falta de informação a respeito da causa das pessoas com deficiência. Admite ainda que se não fosse por Hellen, não saberia que existem recursos pedagógicos disponíveis a esse público. “Eu entendo que meus colegas se sintam desnorteados e muitas vezes até desconfortáveis com a própria falta de conhecimento. Mas acho que é preciso levar em conta a diversidade social e a inclusão dos deficientes no sistema de ensino. É função nossa, quanto docentes, nos informarmos e nos adequarmos aos serviços técnicos”.

E o professor acredita que uma das formas de alcançar acessibilidade na educação seria o corpo diretivo disponibilizar tablets gratuitamente aos alunos com deficiência visual, a partir do primeiro semestre de curso. Além disso, os docentes ficariam responsáveis pela digitalização sistemática dos conteúdos trabalhados em sala.

“Eles foram aprendendo comigo”

#PraCegoVer: Na foto,  Thaiane encontra-se em um estúdio de rádio e tem a frente de si um microfone vermelho, posicionado rente aos próprios lábios.  (Foto/reprodução: Lorena de Paula)

#PraCegoVer: Na foto, Thaiane encontra-se em um estúdio de rádio e tem a frente de si um microfone vermelho. Foto: Lorena de Paula

A jornada de Thaiane na graduação é um pouco diferente da de Hellen. Com a aprovação no vestibular, encerrou o capítulo da discriminação nas salas de aula. “Na universidade, não enfrentei nenhum preconceito”, assegura. “Meus colegas de turma da UFPA só ficaram curiosos, querendo saber como era o mundo pra mim. Mas atribuo isso à sorte, porque já ouvi muitos relatos de outros deficientes que sofreram preconceito no ensino superior”.

Quando pergunto se a universidade estava acessível a ela, a resposta imediata é não. “Eu fui a primeira aluna cega do curso de Comunicação da UFPA, e a faculdade não estava nem um pouco preparada. Eles foram aprendendo comigo, se esforçando pra suprir todas as necessidades”.

E é para atender às demandas, garantir a permanência e acesso pleno das PCDs aos institutos federais de ensino superior, que desde 2005 o Ministério da Educação (MEC) implementa o Programa Incluir, cujo objetivo é assegurar a integração dos deficientes ao âmbito acadêmico através da eliminação de barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e comunicacionais. Entre as ações do programa está o incentivo a criação de núcleos de acessibilidade.

“Na UFPA, o Núcleo de Inclusão Social, também chamado de NIS, se pauta nessas diretrizes”, explica a coordenadora do projeto, Rosilene Prado. Criado em 2012 pela Pró-Reitoria de Ensino e Graduação (PROEG), com o intuito de executar a Política Institucional de Inclusão, o NIS atende, atualmente, 55 universitários com deficiências diversas.

Entre as atividades desenvolvidas, estão o apoio ao aluno deficiente visual com a transcrição de materiais para o sistema Braille e grafia ampliada, disponibilização de intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) para estudantes com deficiência auditiva, entre outros.

“Também conversamos com os alunos com necessidades especiais, para saber do que eles verdadeiramente precisam e prestamos orientações aos professores, para que ministrem as aulas de forma a incluir toda a classe”, afirmou a coordenadora de cabelos curtos e negros.

Thaiane foi uma das estudantes atendidas pelo Núcleo. Ela me conta que ao ingressar na faculdade, duas especialistas da área de Educação Especial a procuraram para saber com quais técnicas de ensino inclusivo estava familiarizada. “Braille, tecnologias assistivas como Dosvox e outros programas sintetizadores de voz”, e de posse dessa informação, conversar sobre adaptações de aulas com o corpo docente do curso de jornalismo.

“Perguntaram também se eu gostaria que realizassem dinâmicas com a minha turma, se eu me sentiria à vontade com isso Como eu disse que tudo bem, elas vendaram alguns colegas meus, para mostrar a eles como era a minha realidade. Também ensinaram como conduzir um deficiente visual”, conta. Além disso, os professores passaram a digitalizar e enviar antecipadamente os materiais abordados em sala.

De acordo com a deficiente visual, a estrutura arquitetônica da UFPA é outra questão para PCDs, uma situação que compromete a mobilidade livre e autônoma desses estudantes.  Mas independente dos tropeços na jornada, ela segue trilhando os caminhos da graduação. Já nos primeiros semestres, ingressou voluntariamente na equipe da Rádio Web da UFPA. Pouco tempo depois, tornou-se bolsista do veículo. Na mídia, ela desempenha a função de repórter-produtora Nos próximos anos, a futura jornalista espera que a recém-descoberta afinidade com rádio e TV se consolide: são os veículos em que deseja exercer a profissão.

Fonte: Pérola de Souza/Revista AzMina

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BRASIL: Campanha #PelaEducação: 2 anos de Plano Nacional

Dia 25 de junho é o aniversário de dois anos do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005), que determina quais metas o Brasil precisa cumprir para garantir que todxs cidadãos tenham uma educação de qualidade até 2024. O PNE definiu que no segundo ano um conjunto de iniciativas deveriam estar concluídas.

Neste mês de seu aniversário, o governo interino encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta que vai limitar o crescimento de gastos públicos, inclusive para a educação. Caso a medida seja aprovada, abre-se o precedente de que recursos para garantia de direitos fundamentais, como educação e saúde, sejam subtraídos, rompendo previsões legais como a estabelecida pelo próprio Plano.

O não cumprimento desses prazos deve servir como ALERTA para a sociedade se mobilizar para que o Estado brasileiro assuma seu compromisso com a educação, e com a educação pública em especial. A implementação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), por exemplo, estava prevista para junho.

O Plano Nacional de Educação 2014-2024 foi criado com o empenho de diversos segmentos, grupos, movimentos, coletivos, instituições acadêmicas, professores, estudantes, gestores, partidos e governos que compreendem a educação como caminho necessário e urgente para que nosso Brasil se desenvolva econômica e socialmente.

Somos mais de 57 milhões de estudantes matriculados na Educação Básica e no Ensino Superior, sendo 42 milhões no setor público, e quase 2,5 milhões de docentes que atuam nos sistemas educacionais.

O que queremos com esta mobilização?

• Que mais pessoas saibam do Plano Nacional de Educação, quais suas metas e recursos
• Que mais pessoas acompanhem sua execução
• Reafirmar o direito à educação expresso na Constituição Federal

Trata-se de tomar iniciativa, somar forças para afirmar o que já foi conquistado, conquistas que transcendem os interesses de cada um dos que se mobilizaram para alcançá-las, conquistas que só sobreviverão se forem assumidas por toda a sociedade.

Venha com a gente! Participe do tuitaço usando as hashtags#PelaEducação #OcupaPNE

20 metas:

O Plano prevê 7% do PIB investidos em educação até o 5 ano do Plano e 10% no final do decênio. Em suas 20 metas estabelece compromissos do Estado com a sociedade para garantir:

1 – Educação Infantil
2 – Universalização do Ensino Fundamental
3 – Universalização do Ensino Médio
4 – Educação especial/inclusiva
5 – Alfabetização de todas as crianças até os 8 anos
6 – Educação Integral em 50% das escolas
7 – Aprendizado adequado na idade certa
8 – Equidade na educação básica: que a população de 18 a 29 anos do campo, dos 25% mais pobres, da região de menor escolaridade alcance 12 anos de escolaridade e que pretos e brancos, nesta faixa etária, tenham a mesma escolaridade média.
9 – Alfabetização e alfabetismo funcional de jovens e adultos
10 – Educação de Jovens e Adultos integrada à Educação Profissional
11 – Expansão da Educação Profissional
12 – Expansão da Educação Superior
13 – Titulação de professores da Educação Superior
14 – Ampliação da Pós-graduação
15 – Formação de professores
16 – Formação continuada e pós-graduação de professores
17 – Valorização do professor
18 – Plano de carreira docente
19 – Gestão democrática
20 – Financiamento da educação

No Observatório do PNE tem mais detalhes de cada uma delas em http://www.observatoriodopne.org.br/ e também em PNE em movimento: (http://pne.mec.gov.br/)

Outros links legais para sites e publicações que informam sobre o assunto:

– Fórum Nacional de Educação: http://fne.mec.gov.br/
– Anuário brasileiro de educação básica 2016 (TPE e Moderna) (http://www.todospelaeducacao.org.br/biblioteca/1545/anuario-brasileiro-da-educacao-basica-2016/)
– De olho nos planos: (http://www.deolhonosplanos.org.br/)
– INEP: Linha de base do PNE 2014-2024: (http://www.publicacoes.inep.gov.br/portal/download/1362)
Algumas fontes gerais:
– Anped: http://www.anped.org.br/news/entrevista-com-dermeval-saviani-pne
– Câmara dos Deputados: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ce/seminarios-1/seminario-na-camara-debate-pne

Quem está junto nesta Campanha:

Associação Cidade Escola Aprendiz
Campanha Nacional Direito Educação
CENPEC Educação e Cultura
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CNTE
Flacso Brasil
Laboratório de Políticas Públicas/UERJ (Lpp Uerj)

Fonte: http://ow.ly/hQOF301yMvs

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Brasil: Ocupações de escolas mostram necessidade de rever relação com a comunidade

As ocupações de escolas mudaram a forma de os estudantes se manifestarem, deram força à categoria e mostraram a necessidade de os estados se reinventarem na relação com a comunidade escolar, de acordo com especialistas ouvidos pela Agência Brasil. As ocupações de escolas por secundaristas começaram no ano passado em São Paulo e se estenderam para outros estados – Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará.

As pautas específicas de cada localidade variam, mas o movimento tem uma demanda comum: educação pública de qualidade. “As ocupações mostram que no Brasil está havendo uma articulação de vários segmentos contra a incapacidade do Estado de prestar um serviço como deveria ser”, avalia o cientista político e sociólogo da Universidade de Brasília Antônio Testa.

Segundo Testa, essa insatisfação começou a ganhar as ruas na jornada de protestos de junho de 2013. “Os movimentos mostravam que a população estava insatisfeita com transporte, educação e segurança. A sociedade está se mobilizando, tem internet para ajudar e está mostrando que consegue pressionar o Poder Público para as suas razões”.

De acordo com ele, as novas formas de manifestação também exigem dos governos novas formas de negociação. Os movimentos são pulverizados, não têm uma única liderança. Na maioria dos estados, os estudantes pedem que as negociações ocorram com pelo menos um representante de cada escola ocupada. “O estado tem que mudar a estratégia, é sempre reativo, não tem capacidade de se antecipar, reage ao processo de pressão e depois fica refém”, diz Testa.

Além das jornadas de 2013

Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, as ocupações “são a melhor novidade no debate público brasileiro”. Segundo ele, os estudantes deram um passo além das jornadas de junho.

“Em 2013, havia mais gente mobilizada, mas tinha um ponto que negava as organizações e as instituições e fazia sentido ali, mas quando se nega inclusive as organizações que podem ser parceiras, isso dificulta o processo. As ocupações não fecham as portas para ninguém. São os secundaristas que têm autonomia e que coordenam o movimento. Acredito que a maturidade política vem sendo estabelecida e uma nova forma de exercício de liderança”, analisa.

Segundo ele, mulheres e a população LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros] têm exercido protagonismo nesse processo, o que é positivo. “Eles, de fato, mudam o dia a dia na escola, os estudantes se apropriam do direito à educação. Percebe-se uma liderança apolítica, mais horizontal, menos discursiva e mais pautada no exemplo”, diz Cara.

Daniel Cara considera que os governos têm agido mal ao não compreenderem o que as ocupações significam. “Não compreendem essas ocupações e não percebem que significam uma oportunidade de fazer uma discussão qualitativa da educação e de fazer com que o jovem se responsabilize e ajude a desenvolver a gestão democrática”, afirma.

Os estados

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps, diz que os secretários veem a situação com apreensão.

“Em primeiro lugar, pelos prejuízos aos estudantes por causa das dificuldades de cumprir os 200 dias letivos dentro do ano. Nesse caso, os prejuízos aos estudantes, em especial aos do ensino médio, podem vir a ser irreparáveis. Em segundo lugar, pelas dificuldades de negociação com o grupo de alunos que ocupam as unidades escolares pois, segundo relato dos secretários, é difícil encontrar uma pauta clara para atendimento e discussão, além de, em alguns casos, a liderança ser difusa e, ao contrário do que prega, se negar ao diálogo”.

Deschamps diz que todos os secretários querem garantir a melhor educação possível aos estudantes. “Porém as soluções são complexas. Temos observado a ampliação de espaços para que os estudantes e suas lideranças possam participar do processo de definição das ações educacionais em cada estado. As novas formas de comunicação, por meio das mídias sociais, vêm se transformando em ferramentas bem interessantes de interlocução com os estudantes, como nunca antes foi possível”.

Segundo o secretário, é necessário que haja espaços abertos de diálogo de ambos os lados. “Os problemas da educação só serão resolvidos com um grande pacto nacional e não por meio de um ambiente de conflito permanente”.

Fonte: Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil
Edição: Graça Adjuto
Foto: Tânia Rêgo/Arquivo Agência Brasil
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BRASIL: Livro conta trajetória de instituto federal como instituição inclusiva

O sétimo volume da Coleção Estudos Afirmativos, do Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA) da Flacso Brasil, apresenta o processo de construção e implementação das ações afirmativas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), considerado pioneiro e ousado na construção de suas políticas.

Esta publicação oferece um registro histórico da atribuição de competências e responsabilidades a cada órgão e núcleo do IFRS para a consolidação das políticas de ações afirmativas.

Organizado por Andréa Poletto Sonza, Bruna Poletto Salton e Jair Adriano Strapazzon, o livro contextualiza o IFRS no cenário nacional, sua dimensão como instituição pública e os pressupostos que sustentam as ações afirmativas, apresentando sua proposta e destacando os princípios nos quais a educação inclusiva está alicerçada.

André Lázaro, coordenador do GEA, e Renata Montechiare, doutoranda em Antropologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacam a ênfase do Instituto e de sua rede no campo da acessibilidade “pautados por parâmetros históricos recentes que vêm impulsionando o avanço das ações em educação inclusiva no Brasil, no sentido do acesso pleno à educação como direito”.

 “Os autores contam como o IFRS tem trabalhado intensamente na perspectiva da inclusão e do tratamento igualitário de todas as pessoas. O estudo apresenta um panorama bastante completo das ações desenvolvidas, desde a constituição dos grupos de trabalho dedicados à proposição das ações afirmativas nas normativas do instituto, até os emocionantes relatos dos beneficiários das políticas. O mérito deste estudo produzido a várias mãos por servidores, estudantes, professores e gestores educacionais está em descrever nos capítulos iniciais o aparato institucional necessário para que se produzam as experiências descritas nas páginas finais”, ressaltam Lázaro e Montechiare.

A Coleção Estudos Afirmativos dedica-se a publicar iniciativas de instituições que adotam políticas de ação afirmativa. O objetivo da Coleção é divulgar essas políticas e contribuir para a formação de um amplo repertório de ações institucionais com vistas à garantia dos direitos de acesso e permanência na educação, conquistados recentemente pela legislação brasileira, em âmbitos nacional e local. A publicação é fruto do Projeto de Extensão Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA), resultado da parceria entre a Flacso Brasil, a Fundação Ford e o Laboratório de Políticas Públicas (LPP/UERJ).

O livro completo está disponível para download aqui.

Fonte: Flacso Brasil

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Brasil: Por que o governo interino não fla sobre o PNE?

Representantes de organizações e movimentos educacionais comentam a importância de reforçar, mais do que nunca, o cumprimento do Plano Nacional de Educação

São muitas as críticas feitas ao governo do presidente interino Michel Temer, no comando há menos de um mês. A extinção de ministérios importantes, como os da Cultura (recriado após manifestações da classe artística), das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, a falta de diversidade entre o grupo ministerial e as quedas e primeiras declarações de alguns ministros interinos são alguns dos pontos polêmicos que tem abalado o governo desde o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, no dia 11 de maio.

Na área de Educação não foi diferente. O fato de o ministro ter recebido representantes do projetoEscola sem Partido e ainda não ter dialogado com as entidades do setor educacional gerou muitas críticas na semana passada. Para os movimentos, entidades e organizações educacionais, também chama a atenção o fato de o governo interino não ter feito referências ou mencionado em seu plano de governo “Uma Ponte para o Futuro” e em suas falas o Plano Nacional de Educação (lei nº 13.005/2014). “O PNE é uma oportunidade incrível pra ser um compromisso perene em um momento de muita turbulência”, defende Patrícia Lacerda, gerente de Educação, Arte e Cultura do Instituto C&A.

Um Plano de Estado com participação popular

Sancionado no dia 24 de junho de 2014 pela presidenta Dilma Rousseff, o PNE foi fruto de um longo e histórico processo de construção participativa, que durou três anos e meio e delimitou 20 metas que devem ser alcançadas para a melhoria da qualidade da Educação brasileira nos próximos 10 anos. “Esse PNE tem uma marca muito singular, que foi a articulação produzida entre a sociedade civil organizada e o governo para, primeiro, a realização das Conaes (2010 e 2014), e, depois, a elaboração de um Plano que expressasse esses anseios dos diferentes movimentos sociais – do campo, da educação, da ciência, da tecnologia. Ele tem metas e estratégias que são fruto dessa interação”, diz João Ferreira de Oliveira, presidente da Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da Educação). 

No dia 17 de maio, a Anpae, junto com outras entidades nacionais de Educação, divulgou um manifesto contra as medidas tomadas pelo atual presidente interino Michel Temer e sinalizando a importância do Plano. “Quando o governo interino não se manifesta sobre o PNE, ele sinaliza que não quer se comprometer com o nível de articulação e diálogo que tinha sido construído durante a aprovação desse Plano”, esclarece.

Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lembra que mesmo o governo da presidenta Dilma Rousseff não chegou a dar o devido reconhecimento ao PNE, ainda que o lema do seu último governo tenha sido “Brasil, pátria educadora”. “Desde que Dilma assumiu o segundo mandato até quando ela foi afastada pelo Senado, ela só mencionou o Plano em cinco discursos – quatro no período mais recente. Os governantes no Brasil não têm a compreensão que o Plano é um Plano de Estado, maior que o governo”, explica.

Por ser um Plano de Estado, o PNE deve ser a política norteadora dos planos de governo e das políticas especificas em Educação, um compromisso com a nação. Muitas de suas atuais metas já estavam presentes no primeiro Plano Nacional de Educação, que acabou não sendo encaminhado durante o seu período de duração (2001 a 2010). A preocupação dos especialistas é que, com o governo interino, o atual PNE também acabe seguindo pelo mesmo caminho, se tornando um “plano de gaveta”. “Este PNE, com dois anos, já implementou mais coisas que o anterior, que tinha dez. Isso nos deixa otimistas. Mas resta saber se o governo interino vai ter uma atuação sobre o PNE como política de estado ou se ele vai se impor e não dar continuidade ao processo”, diz Heleno Araújo, coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE).

Metas ameaçadas

Além de submencionar o PNE, o governo interino aponta para a Desvinculação de Receitas da União (DRU) como uma das medidas para cobrir o déficit orçamentário e contornar a crise financeira do país. A Constituição brasileira prevê que o governo federal é obrigado a gastar um mínimo do orçamento com algumas áreas, entre elas Educação e Saúde. Acabar com essas vinculações constitucionais (que garantem 18% dos impostos arrecadados pela União para a Educação) inviabilizaria ainda mais a implantação do PNE. “É uma forma de pensar a educação apenas com o viés de que é um custo, e não um investimento. A educação tem que ser prioridade não porque é um slogan de um ou outro governo, mas porque o Brasil tem sérios déficits nessa área, e não vai avançar pra lugar nenhum se ela não for priorizada”, diz Patrícia.

Os especialistas apontam o financiamento da Educação, o Sistema Nacional de Educação (SNE) e a Base Nacional Curricular Comum como algumas das metas que já estão sendo discutidas atualmente e que não podem ter seus processos de construção e implementação interrompidos pelo governo interino. “Os 10% do PIB pra Educação e o CAQi são fundamentais para viabilizar inclusive o SNE, porque a responsabilidade da Educação Infantil, do Fundamental e do Médio é sobretudo dos municípios e estados”, diz João Ferreira. “São etapas que, se não forem cumpridas dentro do prazo, há um prejuízo de todo o conjunto do PNE”, diz Heleno Araújo, coordenador do FNE.

Para Analise da Silva, representante do Fóruns de EJA do Brasil no FNE, há uma preocupação com qual visão de Educação está sendo defendida: “precisamos olhar também para a gestão democrática e quem são os sujeitos de direito da Educação para o governo interino. Michel Temer trabalha com a lógica da meritocracia e é preciso defender os direitos humanos, a laicidade da escola e as medidas que procuram emancipar as pessoas, e não manter a estrutura atual”.

Eleições municipais e os planos de educação

As desvinculações afetam também a execução dos planos municipais e estaduais de Educação, já que diminuiriam o repasse do governo federal. No caso dos municípios, por exemplo, as cobranças na Educação Infantil, com a necessidade de aumento das matrículas na creche, é um ponto sensível que precisará ser trabalhado pela gestão atual – e os candidatos, já que as eleições municipais ocorrem esse ano. “Os prefeitos e candidatos seguramente vão prometer a expansão das matrículas. Mas isso será bastante dramático, pois com a restrição de verba eles não vão poder cumprir o que prometem”, explica Daniel Cara.

Para além da questão dos recursos, o governo federal também tem um papel indutor muito forte. Um exemplo dessa força é a aprovação dos planos de educação nos estados e municípios, que foi estimulado tanto pelo prazo previsto no PNE como pelas consultorias e apoios oferecidos pelo governo federal durante esse processo. “Hoje, praticamente todos os estados e municípios têm os seus planos de educação aprovados, e esses Planos precisam estar articulados com o PNE pra avançar”, explica João.

“Se o governo federal não dá a importância devida ao PNE, ele está deixando de exercer a sua força indutora para os planos de municípios, fragilizando esses planos na ponta”, esclarece Patrícia.

Unir as forças, ocupar espaços, ir pra rua

Ainda que o processo de construção dos planos tenha sido feito de forma participativa – ou justamente por causa disso -, ele foi turbulento, cheio de divergências e enfrentamentos. Mas, por mais que ele tenha deixado a desejar em algumas bandeiras defendidas por diferentes segmentos, para muitos dos entrevistados, é preciso que os movimentos e organizações se unam em torno de pontos em comum, em prol da defesa do PNE. “Os movimentos da sociedade civil organizada precisam de alguma forma se juntar, porque agora não tem mais motivo pra aceitar que uma política seja imposta de cima pra baixo. Vamos ter que ir pra rua!”, pontua Analise da Silva.

Para que a participação popular continue ocupando esse importante espaço de interlocução com o governo, é preciso ocupar espaços e se fazer presente em todas as instâncias, por meio de mobilizações, congressos, reuniões, debates, participação em conselhos etc. “Estamos procurando ocupar todos os espaços de debate, garantindo as conquistas”, diz Sumika Freitas, do Movimento Interfóruns da Educação Infantil do Brasil (MIEIB).

Na agenda de trabalho do FNE, por exemplo, estão planejados grupos de trabalho temporários com a perspectiva de atender algumas das metas e regulamentações do PNE, como a Base Nacional Curricular Comum (com a realização de um seminário entre junho e julho), o Plano de Carreira para os profissionais de Educação e o Sistema Nacional de Educação. “Estamos com uma equipe técnica pra continuar o trabalho de criação e fortalecimento dos Fóruns como instrumento de avaliação e monitoramento permanente dos planos. O FNE é o órgão de estado que, independente de quem esteja no governo, tem que ser respeitado”, defende Heleno.

Para João Ferreira, é uma questão de alinhar a visão sobre qual Educação queremos e manter, assim, a discussão e a execução do PNE com a participação de todos: “a Educação é uma coisa ligada ao governo, mas é sobretudo da sociedade. Não se toca a educação sem o envolvimento da sociedade. Governos mais afinados, mais abertos ao diálogo com a sociedade certamente avançarão muito mais do que aqueles que assumem uma perspectiva de imposição de políticas que não vão ter aceitação da sociedade civil organizada”.

O recado vale não só para esse governo, mas também para as próximas gestões: “qualquer governo, até 2024, não pode, de forma alguma, fazer políticas que não sejam orientadas pelo Plano de Educação. Cabe à sociedade, à imprensa, aos movimentos, fazer com o que o plano ganhe a centralidade que necessita e merece”, diz Daniel.

Reportagem: Stephanie Kim Abe

Foto:  Geltimarino II/Wikimedia Commons

Fonte: De Olho nos Planos

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