A todas as pessoas amigas de perto e de longe

CARLOS RODRIGUES BANDÃO
Neste 21 de abril de 2016 quero deixar clara a minha compreensão a
respeito do que estamos vivendo neste momento. Desde mais de 50 anos
vivo uma definida e clara vocação altermundista (“um outro mundo é
possível”), fundada em princípios de uma vida solidária, uma
sociedade humanizada e personalizadamente socialista, e também uma
adesão ativa ao povo brasileiro e aos seus movimentos.

Sou um professor universitário desde 1967 e um militante de causas
humanistas e populares desde 1961. Minhas aulas, meus vários livros e
minhas incontáveis falas e palestras aqui no Brasil e no exterior são
testemunhas disto.

Se tenho críticas ao governo ao PT (ao qual nunca pertenci mas que
sempre apoiei) elas correm na contramão de todas as críticas feitas
por forças e interesses de direita, e submetidas aos poderes do capital
neoliberal e do mundo empresarial.

Lamento que sobretudo o que realizou o Governo Dilma não tenha ousado
ultrapassar uma vocação entre populista e popular, em direção a uma
política de real compromisso com as causas populares.

Lamento o apoio maior ao agronegócio que aos camponeses e à
agricultura orgânica e familiar. Lamento os titubeios e recuos em favor
da demarcação efetiva das terras camponesas, indígenas e quilombolas.
Lamento terras e territórios devastados, florestas queimadas, entre o
Cerrado e a Mata Atlântica e outros biomas mais. Lamento árvores
arrancadas, animais carbonizados, pessoas e famílias ancestrais
expulsas para que tudo se transforme em pasto ou, pior, nos desertos
verdes da soja e do eucalipto.

Lamento a fragilidade da reforma agrária e de outras urgentes reformas
(quase revoluções necessárias, a meu ver). Lamento a maneira como
educadoras e professores das redes públicas de educação são tratadas
até hoje. Lamento que ainda não tenhamos saído de uma democracia
formal em direção a uma efetiva democracia ativa e de raízes e
vocações humanizadoras e populares.

Considero que o que se pratica agora contra um governo eleito nas urnas
é mais uma experiência de violência política. Não foi a primeira.
Poderia ser a última. Ela é a meu ver algo pior do que um golpe.
Lembro que em toda a América Latina as forças submetidas aos
interesses capitalistas sempre souberam – entre golpes militares e
golpes parlamentares (como o que vivemos agora) – comprometer ou mesmo
estancar avanços dos governos, das frentes e das causas populares. O
sistema capitalista é histórica e intrinsecamente perverso. Ele é
excludente, injusto, devastador. E aquilo a que a que damos o sonoro
nome de “corrupção” é apenas uma de suas assinaturas. E, bem
sabemos, diante de seu poder de “compra-e-venda” governo político
algum escapa. Se o PT errou nisto (e ele errou) apenas seguiu a lição
que aprendeu com governos e partidos políticos anteriores.

Lamento, mais ainda, o triste e melancólico nível de mediocridade e
ausência de um mínimo de crítica justa e de criatividade e jurídica
e política no escuro momento que vivemos. Relembro com saudade e com
pesar que os nossos encontros, debates e confrontos de estudantes
universitários da década dos anos 60 – quando eu fui um estudante
universitário, um militante da Juventude Universitária Católica e um
educador popular – sempre foram bastante mais inteligentes, dialógicos,
críticos e criativos do que o que com perplexidade e tristeza assisto
entre os debates parlamentares de agora.

Considero revoltante estarmos sendo “governados” por um Congresso
com pessoas e grupos políticos de um tão baixo nível de
inteligência, de um tão voraz interesse pessoal, partidário ou
empresarial, e de tão ínfima sensibilidade (guardadas raras e honrosas
exceções) para com o sofrimento da gente brasileira.

Não me sinto só, pois desde companheiros/as de longos anos até as
pessoas ainda lúcidas, críticas, solidárias e militantes que conheço
pessoalmente, ou cujas ideias me chegam de perto ou de longe – cada uma
em seu campo de pensamento e ação, – eu as vejo todas dizendo,
escrevendo, partilhando, vivendo e agindo de um modo ou de outro com as
palavras e os gestos semelhantes aos que eu quis expressar neste
depoimento.

Que este testemunho seja encerrado com palavras não minhas, mas de
Eduardo Galeano.

_Nossa autêntica identidade coletiva nasce do passado e se nutre dele
– pegadas sobre as quais caminham nossos pés, passos que representem
nossas andanças de agora – mas não se cristaliza na nostalgia. Somos
o que fazemos e, sobretudo, o que fazemos para mudar o que somos: nossa
identidade reside na ação e na luta. Por isso a revelação do que
somos implica na denúncia do que nos impede de ser o que podemos ser._

Trata-se de um texto de 1976 chamado _Em defesa da Palavra_. o primeiro
do pequeno livro _A descoberta da América (que ainda não houve). _

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