Boniteza de um sonho Ensinar-e-aprender com sentido

América del Sur/Brasil/Octubre 2016/ Moacir Gadotti/http://www.ebooksbrasil.org/

I. Parte

1. Por que ser professor?

Abeleza existe em todo lugar. Depende do nosso olhar, da nossa sensibilidade; depende da nossa consciência, do nosso trabalho e do nosso cuidado. A beleza existe porque o ser humano é capaz de sonhar.

Inspirei-me em Paulo Freire para escrever esse livro. Paulo Freire nos fala em sua Pedagogia da autonomia da “boniteza de ser gente”1 , da boniteza de ser professor: “ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”2 . Paulo Freire chama a atenção para a essencialidade do componente estético da formação do educador. Coloquei um título que fala de sonho e de sentido que querem dizer a mesma coisa. “Sentido” quer dizer caminho não percorrido mas que se deseja percorrer, portanto, significa projeto, sonho, utopia. Aprender e ensinar com sentido é aprender e ensinar com um sonho na mente. A pedagogia serve de guia para realizar esse sonho.

Paulo Freire, em 1980, logo após voltar de 16 anos de exílio, reuniu-se com um grande número de professores em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Falou-lhes de esperança, de “sonho possível”, temendo por aqueles e aquelas que “pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar”, aqueles e aquelas que, “em lugar de visitar de vez em quando o amanhã, o futuro, pelo profundo engajamento com o hoje, com o aqui e com o agora, que em lugar desta viagem constante ao amanhã, se atrelem a um passado de explora- ção e de rotina”3

Dezessete anos depois, em 1997, em seu último livro, lançado três semanas antes de falecer, ele se mantinha fiel à mesma linha de pensamento, reafirmando o sonho e a utopia diante da “malvadez neoliberal”, diante do “cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia”4 . Denúncia de um lado, anúncio de outro: a sua “pedagogia da autonomia” frente à pedagogia neoliberal.

Lembrando os cinco anos da morte de Freire, nesse pequeno livro5 , quero retomar o que ele disse e entender o seu significado no contexto de hoje. Paulo Freire nos falava da “boniteza” do sonho de ser professor de tantos jovens desse planeta. Se o sonho puder ser sonhado por muitos6 deixará de ser um sonho e se tornará realidade.

A realidade, contudo, é muitas vezes bem diferente do sonho. Muitos de meus alunos e alunas, seja na Pedagogia, seja na Licenciatura, não pensam em se dedicar às salas de aula. Muito revelam desinteresse em seguir a carreira do magistério, mesmo estando num curso de formação de professores. Pesam muito nesse decisão as condições concretas do exercício da profissão. Preparam-se para ser professor e irão exercer outra profissão.

O brasileiro desvaloriza o professor. É o que se poderia deduzir de um dito que se tornou popular nas últimas décadas no Brasil: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina”. É sinistro. Essa destruição da imagem do professor custará muito caro, dizia já em 1989, o jornalista Leonardo Trevisan7 : “Todos dizem que gostam muito dos professores, mas não chegam a incomodar-se muito com o fato de que há tempos eles recebem um salário de fome. O salário é a parte mais visível de uma condição – da qual decorre um papel social que se descaracterizou por completo… Só quem não quer ver não percebe o sentimento de cansaço, de esgotamento de expectativas de quem encarava com dignidade o seu desempenho profissional”.

A situação vem se arrastando há anos. Tenho 41 anos de magistério e não tenho visto grandes melhorias. Ao contrário, tenho ouvido muitas promessas. As melhorias existem aqui e acolá, mas são pontuais e localizadas – servem apenas de exemplo – são conjunturais e não estruturais, são provisórias, passageiras e não permanentes. Correspondem a uma política de governo e não a uma política pública de estado.

A situação vem se arrastando há anos. Tenho 41 anos de magistério e não tenho visto grandes melhorias. Ao contrário, tenho ouvido muitas promessas. As melhorias existem aqui e acolá, mas são pontuais e localizadas – servem apenas de exemplo – são conjunturais e não estruturais, são provisórias, passageiras e não permanentes. Correspondem a uma política de governo e não a uma política pública de estado.

A resposta talvez possa ser encontrada numa mensagem deixada por um prisioneiro de campo de concentração nazista na qual, depois de viver todos os horrores da Guerra8 – “crianças envenenadas por médicos diplomados; recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas; mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades” – ele pede aos professores que “ajudem seus alunos a tornarem-se humanos”, simplesmente humanos. E termina: “ler, escrever e aritmética só são importantes para fazer nossas crianças mais humanas”.

Talvez esteja aí a chave para entender a crise que vivemos: perdemos o sentido do que fazemos, lutamos por salário e melhores condições de trabalho sem esclarecer a sociedade sobre a finalidade de nossa profissão, sem justificar porque estamos lutando.

O que me leva agora a escrever esse pequeno livro é justamente esse imperativo histórico e existencial que me obriga a colocar a questão do sentido do que estou fazendo. Qual é o papel do educador, da escola, da educação? O que um professor pode fazer, o que ele deve fazer, o que é possível fazer?

Em inúmeras conferências que tenho feito a professores, professoras, por este país e fora dele, além de constatar um grande mal-estar entre os docentes, misturado a decepções, irritação, impaciência, ceticismo, perplexidade, paradoxalmente, existe ainda muita esperança. A esperan- ça ainda alimenta essa difícil profissão. Há uma ânsia por entender melhor porque está tão difícil educar hoje, fazer aprender, ensinar, ânsia para saber o que fazer quando todas as receitas governamentais já não conseguem responder. A maioria dessas professoras – elas são a quase totalidade – com a diminuição drástica dos salários, com a desvalorização da profissão e a progressiva deterioração das escolas – muitas delas têm hoje cara de presídio – procuram cada vez mais cursos e conferências, para buscar uma resposta que não encontraram nem na sua formação inicial e nem na sua prática atual.

Poucas são as vezes em que encontram resposta nesses cursos. Na sua maioria, ou encontram receitas tecnocráticas que causam ainda maior frustração, ou encontram profissionais da “pedagogia da ajuda” que encantam com suas belas e sedutoras palavras, fazem rir enormes platéias numa catarse coletiva. E voltam vazios como entraram depois de assistirem ao show desses falsos pregadores da palavra. Voltam com a mesma pergunta: “O que estou fazendo aqui?” – “Por quê não procuro outro trabalho?” – “Para que sofrer tanto?” – “Por quê, para que ser professor?”.

Se, de um lado, a transformação nas condições objetivas das nossas escolas não depende apenas da nossa atuação como profissionais da educação, de outro lado, creio que sem uma mudança na própria concepção da nossa profissão ela não ocorrerá tão cedo. Enquanto não construirmos um novo sentido para a nossa profissão, sentido esse que está ligado à própria função da escola na sociedade aprendente, esse vazio, essa perplexidade, essa crise, deverão continuar.

Hoje vale tudo para aprender. Isso vai além da “reciclagem” e da atualização de conhecimentos e muito mais além da “assimilação” de conhecimentos. A sociedade do conhecimento é uma sociedade de múltiplas oportunidades de aprendizagem. As conseqüências para a escola, para o professor e para a educação em geral são enormes: ensinar a pensar; saber comunicar-se; saber pesquisar; ter raciocínio lógico; fazer sínteses e elaborações teóricas; saber organizar o seu próprio trabalho; ter disciplina para o trabalho; ser independente e autônomo; saber articular o conhecimento com a prática; ser aprendiz autônomo e a distância.

Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito do sua própria formação. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz. Para isso o professor também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o quefazer dos seus alunos. Ele deixará de ser um “lecionador”10 para ser um organizador do conhecimento e da aprendizagem.

Nesse contexto, o professor é muito mais um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito do sua própria formação. O aluno precisa construir e reconstruir conhecimento a partir do que faz. Para isso o professor também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o quefazer dos seus alunos. Ele deixará de ser um “lecionador”10 para ser um organizador do conhecimento e da aprendizagem.

Ser professor”, não será “um ofício em risco de extinção”, pergunta-se Luiza Cortesão11 . Um certo professor está em risco de extinção. O funcionário da eficácia e da competitividade pode existir mas terá se demitido da sua função de professor.

Diz ela que há hoje uma evidente contradição entre o professor em branco e preto, o professor“monocultural”, bem formado, seguro, claro, paciente, trabalhador e distribuidor de saberes, eficiente, exigente e o professor “intermulticultural” que não é um “daltônico cultural”, que dá-se conta da heterogeneidade, capaz de investigar, de ser flexível e de recriar conteúdos e métodos, capaz de identificar e analisar problemas de aprendizagem e de elaborar respostas às diferentes situações educativas.

Um não se pergunta porque ser professor. Simplesmente cumpre ordens, currículos, programas, pedagogias. Outro questionase sobre seu papel. Um está centrado nos conteúdos curriculares e outro no sentido do seu ofício. Sim, um certo professor está em risco de extinção. E isso é muito bom. – O que é ser professor hoje? – Ser professor hoje é viver intensamente o seu tempo com consciência e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem educadores. Os educadores, numa visão emancipadora, não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. Diante dos falsos pregadores da palavra, dos marqueteiros, eles são os verdadeiros “amantes da sabedoria”, os filósofos de que nos falava Sócrates. Eles fazem fluir o saber – não o dado, a informação, o puro conhecimento – porque constróem sentido para a vida das pessoas e para a humanidade e buscam, juntos, um mundo mais justo, mais produtivo e mais saudável para todos. Por isso eles são imprescindíveis.

Fuente

http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/boniteza.pdf

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https://lh3.googleusercontent.com/tZJpdLMrMeBojKCYyeA1NGnqDeL87bnWHGuHcYCyhZHnjRJPYZo5AcDlviLYJ0mSHjnG=s85

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Moacir Gadotti

Es professor titular de la Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo(USP) desde 1991 es el director actual del Instituto Paulo Freire en São Paulo.