Brasil: Pantanal agoniza com aumento de 220% nos focos de incêndio

América do Sul/Brasil/09-20-2020/Autor e Fonte: www.andes.org.br

Dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que os focos de incêndio no Pantanal aumentaram 220% entre janeiro e 14 de setembro, em relação ao mesmo período de 2019. Até o momento, em 2020 já são 15.453 registros de queimadas, contra 4.826 no ano passado.

O total de focos de incêndio deste ano (15.453) também ultrapassou a soma anual de 2019 (10.025), um resultado recorde registrado pelo Programa Queimadas para o bioma.

Segundo estudo do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), até o momento, ao menos 2,2 milhões de hectares do Pantanal foram destruídos pelo fogo. Os estados do Mato Grosso (MT) e o Mato Grosso do Sul (MS) são mais atingidos.
O governo do Mato Grosso divulgou, no início de setembro, que “laudos das perícias realizadas pelo Centro Integrado de Multiagências da Coordenação Operacional (Ciman-MT) apontam que os incêndios registrados na região do Pantanal mato-grossense foram provocados por ação humana.”

A Delegacia de Meio Ambiente (Dema) e a Polícia Federal trabalham para chegar aos responsáveis pelos incêndios, sendo que já há suspeita de participação de cinco fazendeiros. Em entrevista ao portal G1, o delegado Alan Givigi, responsável pela investigação, comentou que a polícia acredita que o fogo tenha sido iniciado para abrir pastagem para gado. O clima seco contribui para a piora do cenário.

As cenas de animais agonizando em meio a chamas ganharam repercussão internacional e viraram símbolo da destruição do bioma tradicional brasileiro. O fogo ameaça várias espécies nativas, com consequências que podem ser irreversíveis, mas não eram imprevisíveis. Desde que assumiu a presidência da República, Jair Bolsonaro e seus ministros vêm sistematicamente desmontando todo o arcabouço de programas e políticas de proteção ambiental, combate e prevenção às queimadas ilegais e outros crimes ambientais.

Apesar da alta recorde de incêndios florestais em todo o país, a previsão é de que o orçamento dos principais órgãos federais que cuidam dos biomas brasileiros seja ainda menor em 2021. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) apresentado pelo governo Bolsonaro prevê um corte de R$ 126,1 milhões nas verbas para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O PLOA não traz nenhuma previsão orçamentária para ações do programa de Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios nos Biomas. Em 2020, Ibama e ICMBio tiveram pouco mais de R$ 128,4 milhões autorizados pelo Palácio do Planalto e outros R$ 5,7 milhões aprovados pelo Congresso Nacional para essa finalidade.

Outros biomas também queimam

Além do Pantanal, quase todos os biomas brasileiros registraram alta no número de focos de incêndio detectados pelo INPE. A Amazônia agoniza com um aumento de 11% e um número recorde de 64.498 focos até 14 de setembro – o número já supera o total de áreas queimadas em todo o mês de setembro de 2019.

O Pampa e a Mata Atlântica também registraram alta nos focos de incêndio com índices superiores ao do ano passado.

Dia do Fogo completa um ano sem punição

Em agosto de 2019, fazendeiros e empresários promoveram o que ficou conhecido nacionalmente como “Dia do Fogo”. Um ano depois do ataque que triplicou os focos de incêndio no sudoeste do Pará, ninguém foi preso ou sequer indiciado.

As investigações realizadas pela Polícia Civil e pela Polícia Federal ainda não apontaram os culpados pelo episódio, que foi organizado em um grupo de WhatsApp e contou com uma ‘vaquinha’ para comprar combustível e contratar motoqueiros para espalharem as chamas, conforme detalhou a Repórter Brasil.

A pena para quem for condenado por esse crime varia de dois a 4 anos. Há possibilidade de aplicação de multas, com valores entre R$ 1 mil e R$ 7,5 mil por hectare, com teto de R$ 50 milhões. Podem ser responsabilizadas tanto pessoas físicas quanto jurídicas.

*Com informações da Repórter Brasil e Correio Braziliense

Fonte e imagem: https://www.andes.org.br/conteudos/noticia/pantanal-agoniza-com-aumento-de-220-nos-focos-de-incendio1

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Crônica de um desastre anunciado (ou o triste desmonte da agenda ambiental brasileira)

Por Luiz Queiroz d’Orange* .

Esperava-se muito pouco da agenda ambiental de um governo Bolsonaro, é verdade. Afinal, as evidências eram abundantes: o termo “meio ambiente” só recebeu uma única menção no programa de governo do então candidato do PSL. No final de 2018, já eleito, Bolsonaro chegou a defender abertamente o fim do Ministério do Meio Ambiente e só recuou devido às pressões internacionais. Em dezembro, repetiu que o IBAMA era uma “indústria de multas” e que ia mudar isso aí, tá ok?

Contrariando a turma que acreditava que eram apenas bravatas de campanha, ao assumir a presidência o capitão arregaçou as mangas e já na reforma ministerial de janeiro tratou de sequestrar a Agência Nacional de Águas para o Ministério de Desenvolvimento Regional e o Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura. Na mesma tacada, acabou com a área de Mudanças Climáticas do Itamaraty, destaque da política internacional brasileira, e tratou de asfixiar os setores correspondentes no MMA – onde, aliás, acabou também com qualquer menção ao combate ao desmatamento, justo quando os índices de desmatamento disparam na Amazônia. Na agenda indígena, jogou a FUNAI para um lado (Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos) e a demarcação de Terras Indígenas para o outro (Ministério da Agricultura), no que deve ser o único caso no planeta onde fazendeiros são responsáveis pela delimitação de reservas para os índios.

Depois de reorganizar o tabuleiro institucional ao seu gosto peculiar, o governo destacou o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (Novo/SP) para pilotar a nova agenda ambiental ao estilo Bolsonaro. O ministro Salles é aquele que ganhou notoriedade por ser o primeiro ministro ficha suja em um governo que se elegeu com a bandeira anticorrupção e por ser o primeiro ministro de meio ambiente que contesta o legado de Chico Mendes para o ambientalismo brasileiro. Logo no início de sua gestão, elegeu as ONGs como grande inimigas do governo e suspendeu todos os contratos e convênios com o terceiro setor, só para voltar atrás na sequência e transformar a suspensão em um pente-fino.

Representante explícito dos ruralistas (foi diretor da Sociedade Rural Brasileira) e defensor da violência contra a esquerda e contra os movimentos sociais, Salles desempenha com desenvoltura o papel de antiministro do meio ambiente – chefia um ministério que não deveria existir na visão do governo. No começo de abril, Bolsonaro e Salles produziram normativos que contribuem para esterilizar ainda mais a atuação dos órgãos ambientais: o decreto do “revogaço” extinguiu diversos colegiados fundamentais para o funcionamento da máquina ambiental e outro decreto criou uma instância para revisar autos de infração ambiental, substituindo a “indústria de multas” pela “anistia prévia” ao infrator. Esse mesmo decreto revisou as regras para conversão de multas ambientais, suspendendo a modalidade de conversão indireta que havia sido regulamentada recentemente pelo IBAMA para gerar investimento em programas estruturantes de recuperação ambiental. A primeira fase do Programa Nacional de Conversão de Multas (biênio 2019/2020) arrecadou cerca de R$1,1 bilhão e iria aplicar esses recursos na recuperação ambiental nas Bacias do São Francisco e do Parnaíba antes de ter sido suspenso pelo governo. Ou seja, o imperativo ideológico de asfixiar as ONGs ambientalistas superou os ganhos potenciais de um programa bilionário de investimentos estratégicos em conservação.

A lista de ataques, polêmicas e desmontes parece inacreditável para um governo que mal superou os primeiros 100 dias, mas ainda nem mencionamos a articulação para flexibilização do licenciamento ambiental, para a liberação da caça de espécies silvestres, a escandalosa liberação de agrotóxicos, a desautorização da fiscalização de madeireiras em Rondônia, ou a surreal sessão inaugural do CONAMA neste ano, conduzida com mão de ferro pelo novo ministro e com direito a conselheiros barrados e relatos de agressão.

O autoritarismo, aliás, parece estar se confirmando como marca da gestão de Salles. Desde o começo de março vigora uma lei da mordaça aplicada ao IBAMA e ao ICMBio, que só podem se manifestar por meio da Assessoria de Comunicação do MMA. Há relatos de “vistorias” constrangedoras do ministro em prédios e unidades, em tom de revista de oficial superior, para avaliar se as mesas e ambientes estariam devidamente livres de “manifestações políticas”. Exonerações e demissões arbitrárias têm sido registradas em todo Brasil e desencadearam um clima de caça-às-bruxas em toda a administração. O episódio ocorrido em Tavares/RS, onde Salles provocou uma reação orgástica em uma plateia de ruralistas ao anunciar a abertura de processos administrativos para punir servidores do ICMBio por não estarem presentes no evento (para o qual não haviam sido convidados), é ilustrativo da tendência autoritária do ministro. O episódio levou ao pedido de demissão do então presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard. O conjunto da obra até o momento ensejou uma carta aberta da Associação Nacional de Servidores da Carreira de Meio Ambiente (ASCEMA NACIONAL), onde os servidores manifestam repúdio à atuação do ministro Salles, tido como “ardiloso, falacioso e grosseiro”. Esvaziados de suas funções técnicas e administrativas, outros 3 diretores do ICMBio pediram demissão em um ato conjunto, como que fugindo do barco antes do naufrágio iminente. Possivelmente para “botar ordem na casa”, Ricardo Salles transformou o ICMBio em uma sucursal da Polícia Militar de SP, nomeando policiais para todo o primeiro escalão do instituto, além da presidência. A militarização da área ambiental já atinge parcela significativa dos cargos de alto escalão no Ministério do Meio Ambiente, IBAMA e ICMBio.

Infelizmente, tudo indica que o pacote de retrocessos está longe de chegar ao fim. A possível fusão entre o IBAMA e o ICMBio, os dois principais braços executivos do MMA, deixou de ser conversa de bastidores e passou a ser discutida abertamente na imprensa. O rumor já havia sido semeado durante a campanha e a “incorporação” do ICMBio no IBAMA foi defendida pela equipe de transição da área ambiental. Uma das versões que circula em Brasília é que a fusão implicaria na criação de um novo órgão, um Instituto Federal do Meio Ambiente ou algo similar. Pra quem é da área, a medida cheira a um revanchismo pueril: o presidente que não gosta do IBAMA e o ministro que despreza Chico Mendes tratam de apagar do registro institucional brasileiro as duas marcas de seu desagrado.

Parece especialmente cruel que o IBAMA, ao comemorar 30 anos de existência, esteja ameaçado de extinção como as próprias espécies que tenta preservar. O IBAMA é mais antigo que o próprio Ministério do Meio Ambiente e tradicionalmente encarna o símbolo da defesa ambiental no Brasil. No afã de reescrever a história do ambientalismo brasileiro ao seu feitio, a dupla Bolsonaro/Salles aparenta não ter escrúpulos em jogar no lixo todo o capital simbólico acumulado em 30 anos de IBAMA; muito menos a recente, porém relevante história do ICMBio.

O desmonte da agenda ambiental promovido pelo governo Bolsonaro supera as previsões mais pessimistas e a preocupação chegou até à prestigiada revista Nature. Enquanto isso, o mundo assiste apreensivo e ensaia boicotes aos produtos oriundos de desmatamento no governo Bolsonaro.

É difícil prever onde vai parar esse processo de desmonte da área ambiental, mas em pouco mais de 3 meses o capitão Bolsonaro e seus correligionários conseguiram implodir qualquer protagonismo que o país tivesse na agenda global de sustentabilidade. Os danos à imagem brasileira já são evidentes: o Museu Americano de História Natural de Nova Iorque se recusou a sediar evento que homenageará o presidente Bolsonaro, em função dos objetivos declarados do governo em relação à proteção da Amazônia.

E por fim, é importante ressaltar que nisso Bolsonaro não era fake news – sua campanha falou claramente que iria desmontar a gestão ambiental no Brasil. Quem votou no capitão, com as mãos fazendo gesto de arminha, sabia que estava hipotecando um futuro mais sustentável e próspero para o Brasil. É inescapável a sabedoria do Barão de Itararé: “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”.

Fonte da revisão:http://envolverde.cartacapital.com.br/cronica-de-um-desastre-anunciado-ou-o-triste-desmonte-da-agenda-ambiental-brasileira/
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