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A desimaginação do social

por Boaventura de Sousa Santos

O social é o conjunto de dimensões da vida colectiva que não podem ser reduzidas à existência e experiência particular dos indivíduos que compõem uma dada sociedade. Esta definição não é neutra. Define o social pela negativa, o que permite atribuir-lhe uma infinidade de atributos que variam de época para época. É, por outro lado, uma definição eurocêntrica porque pressupõe uma distinção categorial entre o social e o indivíduo, uma distinção que, longe de ser universal ou imemorial, é específica da filosofia e da cultura ocidentais, e nestas só se tornou dominante com o racionalismo, o individualismo e o antropocentrismo renascentista do séc. XV, os quais viriam a ter em Descartes o seu mais brilhante teorizador. Tanto é assim que a máxima expressão desta filosofia–cogito ergo sum, “penso logo existo”– não tem tradução adequada em muitas línguas e culturas não eurocêntricas. Para muitas destas culturas a existência de um ser individual é não só problemática como absurda. É o caso das filosofias da África austral e do seu conceito fundamental de Ubuntu, que se pode traduzir por “eu sou porque tu és”, ou seja, eu não existo senão na minha relação com outros. Os africanos não precisaram de esperar por Heidegger para conceber o ser como ser-com (Mitsein).

Muito esquematicamente, podemos distinguir na cultura eurocêntrica que serviu de base ao capitalismo moderno dois entendimentos extremos do social. De um lado, o entendimento reacionário, que confere total primazia ao indivíduo e o concebe como um ser ameaçado pelo social. Os indivíduos, longe de serem iguais, são naturalmente diferentes e essas diferenças determinam hierarquias que o social deve respeitar e ratificar. Entre essas diferenças, duas são fundamentais: as diferenças de raça e as diferenças de sexo. No outro extremo está o entendimento solidarista, que confere primazia ao social e o concebe como o conjunto de regras de sociabilidade que neutralizam as desigualdades entre os indivíduos. Entre estes dois extremos foram muitos os entendimentos intermédios, nomeadamente os entendimentos liberais (no plural), que viram no social o garante da igualdade dos indivíduos como ponto de partida, e os entendimentos socialistas (também no plural), que viram no social o garante da igualdade dos indivíduos como ponto de chegada. Entre estes dois entendimentos, por sua vez, foram possíveis várias combinações. Com as revoluções francesa e americana os dois últimos entendimentos passaram a ser os únicos legítimos no plano ideológico. Foi com base neles que se iniciou a luta contra a escravatura e a discriminação contra as mulheres. No entanto, ao contrário do que se supõe, o entendimento reacionário da desigualdade natural-social entre os indivíduos sempre se manteve como corrente subterrânea. Até hoje. E é intrigante que assim seja depois de dois séculos de lutas contra a desigualdade e a discriminação. Houve progressos? E, se houve, por que é que os retrocessos ocorrem recorrentemente e aparentemente com tanta facilidade? Estaremos hoje numa fase de retrocesso histórico em que o entendimento socialista se desfaz no ar e o liberal parece perigosamente ameaçado pelo entendimento reacionário?

As respostas a estas perguntas dependem da consideração de vários factores. Eu vou limitar-me a um deles e, por isso, assumo à partida que a minha resposta é incompleta. O que o pensamento liberal designou por sociedade moderna democrática e o pensamento marxista por sociedade moderna capitalista foi de facto uma sociedade cujo modelo de desenvolvimento económico exigia dois tipos de exploração da força de trabalho: a exploração de seres humanos teoricamente iguais aos seus exploradores e a exploração de seres humanos inferiores ou sub-humanos. Daqui decorreram dois tipos de desvalorização do trabalho, uma desvalorização controlada porque regulada pelo princípio da igualdade, e por isso assente em direitos supostamente universais, e uma desvalorização mais intensa porque “natural”, exercida sobre seres ontologicamente degradados, seres racializados e seres sexualizados, basicamente, negros e mulheres.

O capitalismo não inventou nem o colonialismo (racismo, escravatura, trabalho forçado) nem o patriarcado (discriminação sexual) mas resignificou-os como formas de trabalho super-desvalorizado, ou mesmo não pago ou sistematicamente roubado.

Sem essa super-desvalorização do trabalho de populações tidas por inferiores não seria possível a exploração rentável da força de trabalho assalariado em que tanto liberais como marxistas se concentraram, ou seja, o capitalismo não se poderia manter e expandir de forma sustentada.

Mas, se assim foi, não terá sido apenas nos alvores do capitalismo? Em meu entender, não, e só o domínio do pensamento liberal e do pensamento marxista nos impediu de ver que desde o séc. XV, pelo menos, até hoje vivemos em sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais. Obviamente que ao longo dos séculos houve lutas e movimentos sociais que eliminaram algumas das formas mais selvagens de desvalorização humana, mas só o domínio daquelas duas formas de pensamento moderno foi capaz de nos criar a ilusão de que a eliminação dessa desvalorização seria progressiva e até acabaria um dia, mesmo sem o capitalismo acabar. Ledo engano. O que aconteceu foi a substituição real ou apenas jurídica de alguns instrumentos de desvalorização por outros ou a deslocação do exercício da desvalorização de um campo social para outro ou de uma região do mundo para outra. Não ter isto em conta fez com que confundíssemos o fim do colonialismo histórico (de ocupação territorial por país estrangeiro) com o fim total do colonialismo, quando de facto o colonialismo continuou sob outras formas: neocolonialismo, colonialismo interno, imperialismo, racismo, xenofobia, odio anti-imigrante e anti-refugiado, e, para espanto de muitos, a própria escravatura, como a ONU hoje reconhece. Da mesma forma que a discriminação contra as mulheres deixou de se manifestar no sufrágio eleitoral e nos direitos sociais, mas continuou sob as formas de pagamento desigual para trabalho igual, assédio sexual e violência, da doméstica ao gang rape e feminicídio. Esta cegueira analítica impediu-nos de dar relevo à composição etno-cultural da força de trabalho desde o início, por exemplo, às diferenças entre trabalhadores ingleses e irlandeses ou entre trabalhadores de Castela e da Andaluzia.

Por que razão é este argumento mais facilmente aceite hoje do que há vinte anos? Em meu entender, isso deve-se ao facto de a actual fase do capitalismo exigir hoje, talvez mais do que nunca, a super-desvalorização da força de trabalho e a submissão de vastas populações à condição de populações descartáveis, populações a quem se pode roubar o trabalho e sujeitar a trabalho forçado ou “análogo” a trabalho escravo; populações eliminadas por guerras onde só morrem civis inocentes, abandonadas à sua “sorte” em caso de acontecimentos climáticos extremos ou encarceradas, como acontece a boa parte da população jovem negra dos EUA. Estes factos devem-se à conjugação de dois factores epocais e, portanto, de larga duração: as revoluções electrónicas e digitais e o domínio global do capital financeiro, o sector do capitalismo mais anti-social por criar riqueza artificial com escassíssimo recurso à força de trabalho.

A super-desvalorização da força de trabalho e o carácter descartável de vastas populações estão hoje a ser ideologicamente respaldados pela reemergência do pensamento reacionário da desigualdade natural-social entre os indivíduos, o qual sempre se manteve como corrente subterrânea da modernidade ocidental. Ele reemerge sob formas tão diferentes que facilmente se disfarçam de desvios conjunturais ou idiossincrasias sem significado. Aflora no crescimento da extrema-direita europeia e brasileira e do supremacismo branco nos EUA. Aflora na chocante virulência classista, racista, sexista e homofóbica  de organizações brasileiras de extrema-direita, algumas delas financiadas por  agências públicas e privadas norteamericanas. Aflora na generalização da precariedade do trabalho assalariado e da transformação dos direitos dos trabalhadores em privilégios ilegítimos. Aflora em sentenças judiciais que invocam a Bíblia para justificar a inferioridade das mulheres. Aflora no aumento do trabalho escravo. E aflora, pasme-se, na relegitimação do colonialismo histórico, um fenómeno que pela sua aparente novidade merece uma referência especial. Não me refiro a políticos como o Presidente Nicolas Sarkozy, que em 2007 dissertou em Dakar sobre as vantagens do colonialismo para os povos africanos, cuja tragédia é não terem até hoje entrado plenamente na história. Refiro-me à justificação científica do colonialismo histórico e à sua invocação como solução para os “estados falhados” do nosso tempo. Refiro-me ao artigo de Bruce Gilley, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Portland, publicado em 2017 na respeitada revista Third World Quarterly dedicada aos problemas poscoloniais. O artigo, intitulado “The Case for Colonialism”, defende o papel histórico do colonialismo e advoga que se volte a recorrer a ele para resolver problemas que os “estados falhados” do nosso tempo não podem resolver. Mais especificamente, propõe três soluções: “recomendar modos de governação colonial; recolonizar algumas áreas; criar novas colónias de raiz.” A polémica que o artigo suscitou foi tão grande que o autor acabou por retirar o artigo (foi retirado da versão electrónica da revista, mas pode ser lido na versão em papel). A minha suspeita é, no entanto, que o artigo, longe de ser apenas uma prova das deficiências do sistema de avaliação “anónima” de artigos científicos, é um sintoma da época, e a polémica que ele levantou não ficará por aqui.

O que designo por desimaginação do social é a imaginação anti-social do social. Segundo ela, numa sociedade de desigualdade natural-social entre os indivíduos, a responsabilidade colectiva pelos males da sociedade não existe. O que existe é a culpa individual daqueles que não querem ou não podem competir por aquilo que a sociedade nunca oferece e apenas concede a quem merece. Os que fracassam, em vez de apoiar-se na sociedade, devem apoiar-se nas religiões que por aí pregam a teologia da prosperidade e consolo para quem não prospera. A educação, em vez de criar a miragem da responsabilidade cidadã e da solidariedade social, deve ensinar os jovens a ser competitivos e saber que estão numa guerra de todos contra todos.

Se não é isto que queremos, é bom termos bem a noção do inimigo contra o qual temos de lutar com todas as forças democráticas, e sem complacência.

Informação da fotografia:

“É o caso das filosofias da África austral e do seu conceito fundamental de Ubuntu, que se pode traduzir por “eu sou porque tu és”, ou seja, eu não existo senão na minha relação com outros. Os africanos não precisaram de esperar por Heidegger para conceber o ser como ser-com (Mitsein).” Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fonte do Artigo:

A desimaginação do social (por Boaventura de Sousa Santos)

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Boaventura: o risco da desimaginação social

Por: Boaventura De Sousa Santos

Em tempos de crise, capital flerta com hiper individualismo. Segundo sua lógica, competição é o máximo; cabe à cultura, e à religião, aceitar a guerra de todos contra todos

Por Boaventura de Sousa Santos

O social é o conjunto de dimensões da vida coletiva que não podem ser reduzidas à existência e experiência particular dos indivíduos que compõem uma dada sociedade. Esta definição não é neutra. Define o social pela negativa, o que permite atribuir-lhe uma infinidade de atributos que variam de época para época. É, por outro lado, uma definição eurocêntrica porque pressupõe uma distinção categorial entre o social e o indivíduo, uma distinção que, longe de ser universal ou imemorial, é específica da filosofia e da cultura ocidentais, e nestas só se tornou dominante com o racionalismo, o individualismo e o antropocentrismo renascentista do século XV, os quais viriam a ter em Descartes o seu mais brilhante teorizador. Tanto é assim que a máxima expressão desta filosofia–cogito ergo sum, “penso logo existo”– não tem tradução adequada em muitas línguas e culturas não eurocêntricas. Para muitas destas culturas, a existência de um ser individual é não só problemática como absurda. É o caso das filosofias da África austral e do seu conceito fundamental de Ubuntu, que se pode traduzir por “eu sou porque tu és”, ou seja, eu não existo senão na minha relação com outros. Os africanos não precisaram esperar por Heidegger para conceber o ser como ser-com (Mitsein).

Muito esquematicamente, podemos distinguir na cultura eurocêntrica que serviu de base ao capitalismo moderno dois entendimentos extremos do social. De um lado, o entendimento reacionário, que confere total primazia ao indivíduo e o concebe como um ser ameaçado pelo social. Segundo tal lógica, os indivíduos, longe de serem iguais, são naturalmente diferentes e essas diferenças determinam hierarquias que o social deve respeitar e ratificar. Entre essas diferenças, duas são fundamentais: as diferenças de raça e as diferenças de sexo. No outro extremo está o entendimento solidarista, que confere primazia ao social e que o concebe como o conjunto de regras de sociabilidade que neutralizam as desigualdades entre os indivíduos. Entre estes dois extremos foram muitos os entendimentos intermédios, nomeadamente os entendimentos liberais (no plural), que viram no social o garante da igualdade dos indivíduos como ponto de partida, e os entendimentos socialistas (também no plural), que viram no social o garante da igualdade dos indivíduos como ponto de chegada.

Entre estes dois entendimentos, por sua vez, foram possíveis várias combinações. Com as revoluções francesa e americana os dois últimos entendimentos passaram a ser os únicos legítimos no plano ideológico. Foi com base neles que se iniciou a luta contra a escravatura e a discriminação contra as mulheres. No entanto, ao contrário do que se supõe, o entendimento reacionário da desigualdade natural-social entre os indivíduos sempre se manteve como corrente subterrânea. Até hoje. E é intrigante que assim seja depois de dois séculos de lutas contra a desigualdade e a discriminação. Houve progressos? E, se houve, por que é que os retrocessos ocorrem recorrentemente e aparentemente com tanta facilidade? Estaremos hoje numa fase de retrocesso histórico em que o entendimento socialista se desfaz no ar e o liberal parece perigosamente ameaçado pelo entendimento reacionário?

As respostas a estas perguntas dependem da consideração de vários fatores. Vou limitar-me a um deles e, por isso, assumo à partida que a minha resposta é incompleta. O que o pensamento liberal designou por sociedade moderna democrática e o pensamento marxista por sociedade moderna capitalista foi de fato uma sociedade cujo modelo de desenvolvimento econômico exigia dois tipos de exploração da força de trabalho: a exploração de seres humanos teoricamente iguais aos seus exploradores e a exploração de seres humanos inferiores ou sub-humanos. Daqui decorreram dois tipos de desvalorização do trabalho: uma desvalorização controlada, porque regulada pelo princípio da igualdade, e por isso assente em direitos supostamente universais; e uma desvalorização mais intensa porque “natural”, exercida sobre seres ontologicamente degradados, seres racializados e seres sexualizados — basicamente, negros e mulheres. O capitalismo não inventou nem o colonialismo (racismo, escravatura, trabalho forçado) nem o patriarcado (discriminação sexual) mas ressignificou-os como formas de trabalho super-desvalorizado, ou mesmo não pago ou sistematicamente roubado. Sem essa super-desvalorização do trabalho de populações tidas por inferiores não seria possível a exploração rentável da força de trabalho assalariado em que tanto liberais como marxistas se concentraram, ou seja, o capitalismo não se poderia manter e expandir de forma sustentada.

Mas, se assim foi, não terá sido apenas nos alvores do capitalismo? Em meu entender, não, e só o domínio do pensamento liberal e do pensamento marxista nos impediu de ver que desde o século XV, pelo menos, até hoje vivemos em sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais. Obviamente que ao longo dos séculos houve lutas e movimentos sociais que eliminaram algumas das formas mais selvagens de desvalorização humana, mas só o domínio daquelas duas formas de pensamento moderno foi capaz de nos criar a ilusão de que a eliminação dessa desvalorização seria progressiva e até acabaria um dia, mesmo sem o capitalismo acabar.

Ledo engano. O que aconteceu foi a substituição, real ou apenas jurídica, de alguns instrumentos de desvalorização por outros ou a deslocação do exercício da desvalorização de um campo social para outro ou de uma região do mundo para outra. Não ter isto em conta fez com que confundíssemos o fim do colonialismo histórico (de ocupação territorial por país estrangeiro) com o fim total do colonialismo, quando de facto o colonialismo continuou sob outras formas: neocolonialismo, colonialismo interno, imperialismo, racismo, xenofobia, ódio anti-imigrante e anti-refugiado, e, para espanto de muitos, a própria escravatura, como a ONU hoje reconhece. Da mesma forma que a discriminação contra as mulheres deixou de se manifestar no sufrágio eleitoral e nos direitos sociais, mas continuou sob as formas de pagamento desigual para trabalho igual, assédio sexual e violência, da doméstica ao gang rape e feminicídio. Esta cegueira analítica impediu-nos de dar relevo à composição etno-cultural da força de trabalho desde o início — por exemplo, às diferenças entre trabalhadores ingleses e irlandeses, ou [na Espanha] entre trabalhadores de Castela e da Andaluzia.

Por que razão é este argumento mais facilmente aceito hoje do que há vinte anos? Em meu entender, isso deve-se ao facto de a atual fase do capitalismo exigir hoje, talvez mais do que nunca, a super-desvalorização da força de trabalho e a submissão de vastas populações à condição de populações descartáveis, populações a quem se pode roubar o trabalho e sujeitar a trabalho forçado ou “análogo” a trabalho escravo; populações eliminadas por guerras onde só morrem civis inocentes, abandonadas à sua “sorte” em caso de acontecimentos climáticos extremos ou encarceradas, como acontece a boa parte da população jovem negra dos EUA. Estes fatos devem-se à conjugação de dois fatores epocais e, portanto, de larga duração: as revoluções eletrônicas e digitais e o domínio global do capital financeiro, o setor do capitalismo mais anti-social por criar riqueza artificial com escassíssimo recurso à força de trabalho.

A super-desvalorização da força de trabalho e o caráter descartável de vastas populações estão hoje a ser ideologicamente respaldados pela reemergência do pensamento reacionário da desigualdade natural-social entre os indivíduos, o qual sempre se manteve como corrente subterrânea da modernidade ocidental. Ele reemerge sob formas tão diferentes que facilmente se disfarçam de desvios conjunturais ou idiossincrasias sem significado. Aflora no crescimento da extrema-direita europeia e brasileira e do supremacismo branco nos EUA. Aflora na chocante virulência classista, racista, sexista e homofóbica  de organizações brasileiras de extrema-direita, algumas delas financiadas por  agências públicas e privadas norte-americanas. Aflora na generalização da precariedade do trabalho assalariado e da transformação dos direitos dos trabalhadores em privilégios ilegítimos. Aflora em sentenças judiciais que invocam a Bíblia para justificar a inferioridade das mulheres. Aflora no aumento do trabalho escravo. E aflora, pasme-se, na relegitimação do colonialismo histórico, um fenômeno que pela sua aparente novidade merece uma referência especial.

Não me refiro a políticos como o presidente Nicolas Sarkozy, que em 2007 dissertou em Dakar sobre as vantagens do colonialismo para os povos africanos, cuja tragédia seria não terem até hoje entrado plenamente na história. Refiro-me à justificação científica do colonialismo histórico e à sua invocação como solução para os “Estados falidos” do nosso tempo. Refiro-me ao artigo de Bruce Gilley, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Portland, publicado em 2017 na respeitada revista Third World Quarterly dedicada aos problemas pós-coloniais. O artigo, intitulado “The Case for Colonialism”, defende o papel histórico do colonialismo e advoga que se volte a recorrer a ele para resolver problemas que os “estados falidos” do nosso tempo não podem resolver. Mais especificamente, propõe três soluções: “recomendar modos de governação colonial; recolonizar algumas áreas; criar novas colônias de raiz.” A polêmica que o artigo suscitou foi tão grande que o autor acabou por retirar o artigo (foi retirado da versão eletrônica da revista, mas pode ser lido na versão em papel). A minha suspeita é, no entanto, que o artigo, longe de ser apenas uma prova das deficiências do sistema de avaliação “anônima” de artigos científicos, é um sintoma da época, e a polêmica que ele levantou não ficará por aqui.

O que designo por desimaginação do social é a imaginação anti-social do social. Segundo ela, numa sociedade de desigualdade natural-social entre os indivíduos, a responsabilidade coletiva pelos males da sociedade não existe. O que existe é a culpa individual daqueles que não querem ou não podem competir por aquilo que a sociedade nunca oferece e apenas concede a quem merece. Os que fracassam, em vez de apoiar-se na sociedade, devem apoiar-se nas religiões que por aí pregam a teologia da prosperidade e consolo para quem não prospera. A educação, em vez de criar a miragem da responsabilidade cidadã e da solidariedade social, deve ensinar os jovens a ser competitivos e saber que estão numa guerra de todos contra todos.

Se não é isto que queremos, é bom termos bem a noção do inimigo contra o qual temos de lutar com todas as forças democráticas, e sem complacência.

http://outraspalavras.net/autores/boaventura-o-risco-da-desimaginacao-social/

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¿Desglobalización?

Por: Boaventura de Sousa Santos

En círculos académicos y en artículos de opinión en los grandes medios de comunicación se ha mencionado con frecuencia que estamos entrando en un período de reversión de los procesos de globalización que han dominado la economía, la política, la cultura y las relaciones internacionales en los últimos cincuenta años. Se entiende por globalización la intensificación de las interacciones transnacionales más allá de lo que siempre fueron las relaciones entre Estados nacionales, las relaciones internacionales, o las relaciones en el interior de los imperios, tanto antiguos como modernos. Son interacciones que no están, en general, protagonizadas por los Estados, sino por agentes económicos y sociales en los ámbitos más diversos. Cuando están protagonizadas por los Estados, pretenden cercenar la soberanía del Estado en la regulación social, sean los tratados de libre comercio, la integración regional, de la que la Unión Europea es un buen ejemplo, o la creación de agencias financieras multilaterales, como el Banco Mundial y el FMI.

Escribiendo hace más de veinte años[1], dediqué al tema muchas páginas y llamé la atención sobre la complejidad e incluso el carácter contradictorio de la realidad que se aglomeraba bajo el término “globalización”. En primer lugar, mucho de lo que se consideraba global había sido originalmente local o nacional, desde la hamburguesa tipo McDonald’s, que había nacido en una pequeña localidad del oeste de Estados Unidos, al estrellato cinematográfico, activamente producido al principio por Hollywood para rivalizar con las concepciones del cine francés e italiano que antes dominaban, o incluso la democracia como régimen político globalmente legítimo, ya que el tipo de democracia globalizada fue la democracia liberal de matriz europea y norteamericana en su versión neoliberal, más norteamericana que europea.

En segundo lugar, la globalización, al contrario de lo que el nombre sugería, no eliminaba las desigualdades sociales y las jerarquías entre los diferentes países o regiones del mundo. Por el contrario, tendía a fortalecerlas.

En tercer lugar, la globalización producía víctimas (normalmente ausentes en los discursos de los promotores de la globalización) que tendrían ahora menor protección del Estado, ya fueran trabajadores industriales, campesinos, culturas nacionales o locales, etc.

En cuarto lugar, a causa de la dinámica de la globalización, las víctimas quedaban más sujetas a sus localidades y en la mayoría de casos solo salían de ellas forzadas (refugiados, desplazados internos y transfronterizos) o falsamente ipor voluntad propia (emigrantes). Llamé a estos procesos contradictorios globalismos localizados y localismos globalizados.

En quinto lugar, la resistencia de las víctimas se beneficiaba a veces de las nuevas condiciones tecnológicas ofrecidas por la globalización hegemónica (transportes más baratos, facilidades de circulación, internet, repertorios de narrativas potencialmente emancipadoras, como, por ejemplo, los derechos humanos) y se organizaba en movimientos y organizaciones sociales transnacionales. Llamé a estos procesos globalización contrahegemónica y en ella distinguí el cosmopolitismo subalterno y el patrimonio común de la humanidad o ius humanitatis. La manifestación más visible de este tipo de globalización fue el Foro Social Mundial, que se reunió por primera vez en 2001 en Porto Alegre (Brasil) y del que fui un participante muy activo desde el inicio.

¿Qué hay de nuevo y por qué se diagnostica como desglobalización? Las manifestaciones referidas son dinámicas nacionales y subnacionales. En cuanto a las primeras, se subraya el Brexit, por el que el Reino Unido (¿?) decidió abandonar la UE, y las políticas proteccionistas del presidente de los Estados Unidos, Donald Trump, así como su defensa del principio de soberanía, oponiéndose a los tratados internacionales (sobre el libre comercio o el cambio climático), mandando erigir muros para proteger las fronteras, involucrándose en guerras comerciales, entre otras, con Canadá, China y México.

En lo que se refiere a las dinámicas subnacionales, estamos, en general, ante el cuestionamiento de las fronteras nacionales que resultaron en tiempos y circunstancias históricas muy distintas: las guerras europeas, desde la Guerra de los Treinta Años y el consecuente Tratado de Westfalia (1648) hasta las del siglo XX que, debido al colonialismo, se transformaron en mundiales (1914-18 y 1939-45); el primer (¿quizá segundo?) reparto de África en la Conferencia de Berlín (1884-85); las guerras de fronteras en los nuevos Estados independientes de América Latina a partir de principios del siglo XIX. Se asiste a la emergencia o reactivación de la afirmación de identidades nacionales o religiosas en lucha por la secesión o el autogobierno en el interior de Estados, de hecho, plurinacionales. Entre muchos ejemplos: las luchas de Cachemira, de Irlanda del Norte, de varias nacionalidades en el interior del Estado español, de Senegal, de Nigeria, de Somalia, de Eritrea, Etiopía y de los movimientos indígenas de América Latina. Está también el caso trágico del Estado ocupado de Palestina. Algunos de estos procesos parecen (¿provisionalmente?) terminados, por ejemplo, la fragmentación de los Balcanes o la división de Sudán. Otros se mantienen latentes o fuera de los medios de comunicación (Quebec, Escocia, Cachemira) y otros han explotado de forma dramática en las últimas semanas, sobre todo los referéndums en Cataluña, el Kurdistán iraquí y Camerún.

Bajo mi criterio, estos fenómenos, lejos de configurar procesos de desglobalización, constituyen manifestaciones, como siempre contradictorias, de una nueva fase de la globalización más dramática, más excluyente y más peligrosa para la convivencia democrática, si es que no implican su fin. Algunos de ellos, contrariamente a las apariencias, son afirmaciones de la lógica hegemónica de la nueva fase, mientras otros constituyen una intensificación de la resistencia a esa lógica. Antes de referirme a unos y otros, es importante contextualizarlos a la luz de las características subyacentes a la nueva fase de globalización. Si analizamos los datos de la globalización de la economía, concluiremos que la liberalización y la privatización de la economía continúan intensificándose con la orgía de tratados de libre comercio actualmente en curso. La Unión Europea acaba de acordar con Canadá un vasto tratado de libre comercio, el cual, entre otras cosas, expondrá la alimentación de los europeos a productos tóxicos prohibidos en Europa pero permitidos en Canadá, un tratado cuyo principal objetivo es presionar a Estados Unidos para que forme parte. Fue ya aprobada la Alianza Transpacífica, liderada por Estados Unidos, para enfrentar a su principal rival: China. Y toda una nueva generación de tratados de libre comercio está en curso, negociados fuera de la Organización Mundial del Comercio, sobre la liberalización y la privatización de servicios que en muchos países hoy son públicos, como la salud y la educación. Si analizamos el sistema financiero, verificaremos que estamos ante el sector más globalizado del capital y más inmune a las regulaciones nacionales.[2]

Los datos que son de conocimiento público son alarmantes: 28 empresas del sector financiero controlan 50 trillones de dólares, esto es, tres cuartas partes de la riqueza mundial contabilizada (el PIB mundial es de 80 trillones y además habrá otros 20 trillones en paraísos fiscales). La gran mayoría de esas instituciones está registrada en América del Norte y en Europa. Su poder tiene también otra fuente: la rentabilidad de la inversión productiva (industrial) a nivel mundial es, como máximo, del 2,5 %, en tanto que la de la inversión financiera puede llegar al 7 %. Se trata de un sistema para el cual la soberanía de 200 potenciales reguladores nacionales es irrelevante.

Ante esto, no me parece que estemos en un momento de desglobalización. Estamos más bien delante de nuevas manifestaciones de la globalización, algunas de ellas muy peligrosas y patológicas. La apelación al principio de soberanía por parte del presidente de Estados Unidos es solo la huella de las desigualdades entre países que la globalización neoliberal ha venido a acentuar. Al mismo tiempo que defiende el principio de soberanía, Trump se reserva el derecho de invadir Irán y Corea del Norte. Tras haber destruido la relativa coherencia de la economía mexicana con el NAFTA y provocado la emigración, Estados Unidos manda construir un muro para frenarla y pide a los mexicanos que paguen su construcción. Ello, además de ordenar deportaciones en masa. En ninguno de estos casos es pensable una política igual, pero de sentido inverso. El principio de la soberanía dominante surgió antes en la Unión Europea con el modo como Alemania puso sus intereses soberanos (esto es, del Deutsche Bank) por encima de los intereses de los países del sur de Europa y de la UE. La soberanía dominante, combinada con la autorregulación global del capital financiero, da lugar a fenómenos tan diversos como el subfinanciamiento de los sistemas públicos de salud y educación, la precarización de las relaciones labores, la llamada crisis de los refugiados, los Estados fallidos, el descontrol del calentamiento global, los nacionalismos conservadores. Las resistencias tienen señales políticas diferentes, pero a veces asumen formas semejantes, lo que está en el origen de la llamada crisis de la distinción entre izquierda y derecha. De hecho, esta crisis es el resultado de que alguna izquierda haya aceptado la ortodoxia neoliberal dominada por el capital financiero y hasta se haya autoflagelado con la idea de que la defensa de los servicios públicos era populismo. El populismo es una política de derecha, particularmente cuando la derecha puede atribuirla con éxito a la izquierda. Residen aquí muchos de los problemas que enfrentan los Estados nacionales. Incapaces de garantizar la protección y el mínimo bienestar de los ciudadanos, responden con represión a la legítima resistencia de los ciudadanos.

Ocurre que la mayoría de esos Estados son, de hecho, plurinacionales. Incluyen pueblos de diferentes nacionalidades etnoculturales y lingüísticas. Fueron declarados nacionales por la imposición de una nacionalidad sobre las otras, a veces de modo muy violento. Las primeras víctimas de ese nacionalismo interno arrogante, que casi siempre se tradujo en colonialismo interno, fueron el pueblo andaluz después de la llamada Reconquista de Al-Ándalus, los pueblos indígenas de las Américas y los pueblos africanos después del reparto de África. Fueron también ellos los primeros en resistir. Hoy, la resistencia junta a las raíces históricas el aumento de la represión y la corrupción endémica de los Estados dominados por fuerzas conservadoras al servicio del neoliberalismo global. A ello se añade el hecho de que la paranoia de la vigilancia y la seguridad interna ha contribuido, bajo pretexto de la lucha contra el terrorismo, al debilitamiento de la globalización contrahegemónica de los movimientos sociales, dificultando sus movimientos transfronterizos. Por todo esto, la globalización hegemónica se profundiza usando, entre muchas otras máscaras, la de la soberanía dominante, que académicos desprevenidos y medios de comunicación cómplices toman por desglobalización.

NOTAS
[1] Toward a New Common Sense, Nueva York: Routledge, 1995, con traducción española: Sociología jurídica crítica. Para un nuevo sentido común en el derecho, Madrid, Trotta, 2009, págs. 290-453.
[2] Puede consultarse uno de los textos más recientes y más incisivos sobre el capital de autoría del economista brasileño Ladislau Dowbor, antiguo colega en la Facultad de Economía de la Universidad de Coímbra: La era del capital improductivo. La nueva arquitectura del poder: dominación financiera, secuestro de la democracia y destrucción del planeta, São Paulo: Outras Palavras & Autonomia Literária, 2017.

Fuente: http://www.cubadebate.cu/opinion/2017/11/12/desglobalizacion/#.WgjHTNLia00

 

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Las formas de lucha

Por: Boaventura de Sousa Santos

Hay temas que, a pesar de tener una presencia constante en la vida de la gran mayoría de las personas, aparecen y desaparecen del radar de aquellos a quienes corresponde reflexionar sobre ellos, sea en el plano científico, cultural o filosófico.

Algunos de los temas hoy desaparecidos son, por ejemplo, la lucha social (más aún, la lucha de clases), la resistencia, la desobediencia civil, la rebeldía, la revolución y, subyacente a ellos, la violencia revolucionaria. A lo largo de los últimos ciento cincuenta años, estos temas tuvieron un papel central en la filosofía y la sociología políticas porque sin ellos era virtualmente imposible hablar de transformación social y de justicia. Hoy en día, la violencia está omnipresente en los noticieros y las columnas de opinión, pero raramente se refiere a los temas anteriores.

La violencia de que se habla es la violencia despolitizada, o concebida como tal: la violencia doméstica, la criminalidad, el crimen organizado. Por otro lado, siempre se habla de violencia física, raramente de violencia psicológica, cultural o simbólica y, nunca, de violencia estructural. Los únicos contextos en que a veces la violencia adquiere condición política es la violencia en los países «menos desarrollados» o «Estados fallidos» y la violencia terrorista, considerada (y bien) como un modo inaceptable de lucha política.

En términos de debate filosófico y político, nuestro tiempo es un tiempo simultáneamente infantil y senil. Gatea, por un lado, entre ideas que lo atraen por la novedad y le confieren el orgullo de ser protagonista de algo inaugural (autonomía, competencia, empoderamiento, creatividad, redes sociales). Y, por otro, se deja perturbar por una ausencia, una falta que no puede nombrar exactamente (solidaridad, cohesión social, justicia, cooperación, dignidad, reconocimiento de la diferencia), una falta obsoleta pero lo suficientemente impertinente como para hacerle tropezar en su propia ruina.

Como la lucha, la resistencia, la rebeldía, la desobediencia, la revolución siguen constituyendo la experiencia cotidiana de la gran mayoría de la población mundial, que, además, paga un precio muy alto por eso, la disyunción entre el modo en que se vive y lo que se dice públicamente sobre él hace que nuestro tiempo sea un tiempo dividido entre dos grupos muy asimétricos: los que no pueden olvidar y los que no quieren recordar. Los primeros solo en apariencia son seniles y los segundos solo en apariencia son infantiles. Son todos contemporáneos unos de otros, pero se remiten a contemporaneidades diferentes.

Revisemos, pues, los conceptos senilizados. Lucha es toda disputa o conflicto sobre un recurso escaso que confiere poder a quien lo detenta. Las luchas sociales siempre existieron y siempre tuvieron objetivos y protagonistas muy diversificados. A finales del siglo XIX, Marx otorgó un papel especial a un cierto tipo de lucha: la lucha de clases. Su especificidad residía en su radicalidad (la parte perdedora perdería todo), en su naturaleza (entre grupos sociales organizados en función de su posición frente a la explotación del trabajo asalariado) y en sus objetivos incompatibles (capitalismo o socialismo). Las luchas sociales nunca se redujeron a la lucha de clases. A mediados del siglo pasado surgió el término «nuevos movimientos sociales» para dar cuenta de actores políticos organizados en otras luchas según criterios de agregación distintos de la clase y con objetivos muy diversificados. Esta ampliación no solo ensanchaba el concepto de lucha social, sino que daba más complejidad a la idea de resistencia, un concepto que pasó a designar los grupos inconformes con el estatuto de víctima. Es resistente todo aquel que se niega a ser víctima. Esta ampliación recuperaba algunos debates de finales del siglo XIX entre anarquistas y marxistas, en particular el debate sobre la revolución y la rebeldía.

La revolución implicaba la sustitución de un orden político por otro, mientras que la rebeldía significaba el rechazo de un determinado (o de cualquier) orden político. La rebeldía se distinguía de la desobediencia civil, porque esta, al contrario de la primera, cuestionaba una determinación específica (por ejemplo, servicio militar obligatorio) pero no el orden político en su conjunto. El concepto de revolución se fue alimentando con la Revolución rusa, la Revolución china, la Revolución cubana, la Revolución argelina, la Revolución egipcia, la Revolución vietnamita o la Revolución portuguesa del 25 de abril de 1974 (aunque muchos, como yo, dudásemos de su carácter revolucionario).

La caída del Muro de Berlín restó actualidad al concepto de revolución, aunque el mismo resucitase algunos años después en América Latina con la Revolución bolivariana (Venezuela), la Revolución comunitaria (Bolivia) y la Revolución ciudadana (Ecuador) incluso si en estos casos hubiesen muchas dudas sobre el carácter revolucionario de tales procesos. Con el levantamiento neozapatista de 1994, el Foro Social Mundial de 2001 y años siguientes, y los movimientos indígenas y afrodescendientes, los conceptos de rebeldía y de dignidad volvieron a ser predominantes. Hasta hoy.

Subyacente a las vicisitudes de estos diferentes modos de nombrar las luchas sociales contra el statu quo, estuvieron presentes siempre dos cuestiones: la dialéctica entre institucionalidad y extrainstitucionalidad; y la dialéctica entre lucha violenta o armada y lucha pacífica. Las dos cuestiones son autónomas, aunque están relacionadas: la lucha institucional puede o no ser violenta y la lucha armada, si es duradera, crea su propia institucionalidad. Ambas cuestiones comenzaron a ser discutidas a lo largo del siglo XIX y explosionaron en momentos diferentes al final del siglo XIX e inicio del siglo XX. ¿Por qué las menciono aquí? Porque a pesar, en los últimos treinta años, de haber sido consideradas obsoletas o residuales, ganaron últimamente una nueva vida.

Institucional versus extrainstitucional. Esta cuestión se agudizó con las divisiones en el seno del partido socialdemócrata alemán en vísperas de la Primera Guerra Mundial. ¿Luchar dentro de las instituciones? ¿O presionarlas y hasta transformarlas desde fuera por vías consideradas ilegales? La cuestión siguió su curso durante cincuenta años y pareció haberse agotado con el fin de la revuelta estudiantil de Mayo de 1968. Obviamente que en diferentes partes del mundo continuaron habiendo insurrecciones, guerrillas, protestas, huelgas generales, luchas de liberación; pero de algún modo se fue consolidando la idea de que representaban el pasado y no el futuro, toda vez que la democracia liberal, ahora apadrinada por el neoliberalismo global, el FMI, el Banco Mundial, la ONU, acabaría por imponerse como el único modo legítimo de dirimir conflictos políticos. Todo cambió en 2011 con la ola de movimientos de protesta en diferentes países: las distintas primaveras de revuelta, el movimiento Occupy Wall Street, los movimientos de los indignados, etcétera. ¿Por qué este cambio? Sospecho que la crisis de la democracia liberal se ha venido profundizando de tal modo que movimientos y protestas por fuera de las instituciones pueden pasar a ser parte de la nueva normalidad política.

Lucha armada versus lucha pacífica. La cuestión de la violencia es el tema que el pensamiento político dominante (tan viciado en el estudio de los sistemas electorales) evitó a toda costa a lo largo del siglo pasado. Sin embargo, los protagonistas de las luchas se enfrentaron continuamente con la cuestión en el terreno. Obviamente que no toda violencia es revolucionaria. Durante el siglo XX quienes más recurrieron a ella fueron los contrarrevolucionarios, los nazis, los fascistas, los colonialistas, los fundamentalistas de todas las confesiones y los propios estalinistas después de la perversión de la revolución que emprendieron. Pero en el campo revolucionario las divisiones fueron encendidas: entre los marxistas y maoístas de la India y Gandhi, entre Martin Luther King Jr. y Malcom X, entre diferentes movimientos de liberación del colonialismo europeo y Frantz Fanon, entre movimientos independentistas en Europa (País Vasco, Irlanda del Norte) y movimientos revolucionarios de América Latina. También aquí -a pesar de la continuidad de la lucha armada en el Delta del Níger y en las zonas rurales de la India dominadas por los naxalitas (maoístas)- la idea de violencia revolucionaria y de lucha armada ha perdido legitimidad, de lo cual las negociaciones de paz en curso en Colombia son una demostración elocuente.

Empero, hay dos elementos perturbadores de los que quiero dar cuenta. En muchos países donde la violencia política terminó con negociaciones de paz, la violencia volvió (muchas veces contra líderes políticos y de movimientos sociales) bajo la forma de violencia despolitizada o criminalidad común. El Salvador y Honduras son casos paradigmáticos y Colombia podría serlo. Por otro lado, la lucha armada fue deslegitimada porque falló muchas veces en sus objetivos y porque se creyó que estos serían más eficazmente alcanzados por la vía pacífica y democrática.

¿Y si se profundizara la crisis de la democracia? Uno de los revolucionarios que más admiro y que pagó con la vida su dedicación a la revolución socialista, el padre Camilo Torres, de Colombia, doctorado en sociología por la Universidad de Lovaina, respondió así en 1965 a la pregunta de un periodista sobre la legitimidad de la lucha armada: «El fin no justifica los medios. Sin embargo, en la acción concreta, muchos medios comienzan a ser impracticables. De acuerdo con la moral tradicional de la Iglesia la lucha armada es permitida a una sociedad en las siguientes condiciones:

Haber agotado los medios pacíficos.

 Tener una probabilidad bastante cierta de éxito.

 Que los males resultantes de esta lucha no sean peores que la situación que se quiere remediar.

Que haya el concepto de algunas personas de criterio ilustrado y correcto sobre el cumplimiento de las condiciones anteriores» [1].

A un pacifista como yo, que siempre luchó por la radicalización de la democracia como vía no violenta para construir una sociedad más justa, provoca estremecimientos pensar si en muchos países los patrones de convivencia pacífica y democrática no se estarán degradando a tal punto que las cuatro condiciones del padre Camilo Torres puedan tener respuesta positiva.

Notas

[1] Torres Restrepo, C. (2016), Textos inéditos y poco conocidos, vol. 1, Universidad Nacional de Colombia, Bogotá, p. 272.

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*Académico portugués. Doctor en sociología, catedrático de la Facultad de Economía y Director del Centro de Estudios Sociales de la Universidad de Coímbra (Portugal). Profesor distinguido de la Universidad de Wisconsin-Madison (EE.UU) y de diversos establecimientos académicos del mundo. Es uno de los científicos sociales e investigadores más importantes del mundo en el área de la sociología jurídica y es uno de los principales dinamizadores del Foro Social Mundial. Artículo divulgado por Público.es,   Traducción de Antoni Aguiló y José Luis Exeni Rodríguez

Fuente del Artículo:

http://www.uypress.net/auc.aspx?80287,55

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Espejos Extraños Contra la Dominación

Por: Boaventura de Sousa Santos

La dominación social, política y cultural siempre es el resultado de una distribución desigual del poder en cuyos términos quien no tiene poder o tiene menos poder ve sus expectativas de vida limitadas o destruidas por quien tiene más poder. Esta limitación o destrucción se manifiesta de diferentes maneras: desde la discriminación hasta la exclusión, desde la marginación hasta la liquidación física, psíquica o cultural, desde la demonización hasta la invisibilización. Todas estas formas pueden reducirse a una sola: la opresión. Cuanto más desigual es la distribución del poder, mayor es la opresión. Las sociedades con formas duraderas de poder desigual son sociedades divididas entre opresores y oprimidos. La contradicción entre estas dos categorías no es lógica, sino más bien dialéctica, ya que ambas forman parte de la misma unidad contradictoria.

Los factores que están en la base de la dominación varían de época a época. En la época moderna, digamos, desde el siglo XVI, los tres factores principales han sido: el capitalismo, el colonialismo y el patriarcado. El primero es originario de la modernidad occidental, mientras que los otros dos existían antes pero fueron reconfigurados por el capitalismo. La dominación capitalista se basa en la explotación del trabajo asalariado por medio de relaciones entre seres humanos formalmente iguales. La dominación colonial se basa en la relación jerárquica entre grupos humanos por una razón supuestamente natural, ya sea la raza, la casta, la religión o la etnia. La dominación patriarcal implica otro tipo de relación de poder pero igualmente basada en la inferioridad natural de un sexo o de una orientación sexual.

Las relaciones entre los tres modos de dominación han variado a lo largo del tiempo y del espacio, pero el hecho de que la dominación moderna se asiente en los tres es una constante. Al contrario de lo que vulgarmente se piensa, la independencia política de las antiguas colonias europeas no significó el fin del colonialismo, significó la sustitución de un tipo de colonialismo (el colonialismo de ocupación territorial efectiva por una potencia extranjera) por otros tipos (colonialismo interno, neocolonialismo, imperialismo, racismo, xenofobia, etc.).

Vivimos en sociedades capitalistas, colonialistas y patriarcales. Para tener éxito, la resistencia contra la dominación moderna tiene que basarse en luchas simultáneamente anticapitalistas, anticoloniales y antipatriarcales. Todas las luchas tienen que tener como objetivo los tres factores de dominación, y no solo uno, aunque las coyunturas puedan aconsejar que incidan más en un factor que en otro.

El siglo XX fue de los siglos más violentos de la historia, pero también se caracterizó por muchas conquistas positivas: desde los derechos sociales y económicos de los trabajadores hasta la liberación e independencia de las colonias, desde los movimientos de los derechos colectivos de las poblaciones afrodescendientes en las Américas y de los pueblos indígenas hasta las luchas de las mujeres contra la discriminación sexual. Sin embargo, a pesar de los éxitos, los resultados no son brillantes. En las primeras décadas del siglo XXI atravesamos incluso un período de reflujo generalizado de muchas de las conquistas de esas luchas. El capitalismo concentra la riqueza más que nunca y agrava la desigualdad entre países y dentro de ellos; el racismo, el neocolonialismo y las guerras imperiales asumen formas particularmente excluyentes y violentas; el sexismo, a pesar de todos los éxitos de los movimientos feministas, sigue ejerciendo violencia contra las mujeres con una persistencia inquebrantable.

Un diagnóstico correcto es condición necesaria para salir de esta aparente estasis histórica. Sugiero varios componentes principales del diagnóstico. El primero reside en que, mientras que la dominación moderna articula siempre capitalismo con colonialismo y patriarcado, las organizaciones y movimientos que vienen luchando contra ella siempre han estado divididas, cada una privilegiando uno de los modos de dominación y descuidando, o incluso ignorando, el resto, y cada una defendiendo que su lucha y su forma de lucha es más importante. No sorprende, así, que muchos partidos socialistas y comunistas, que lucharon (cuando lucharon) contra la dominación capitalista, hayan sido durante mucho tiempo colonialistas, racistas y sexistas. Del mismo modo, no sorprende que movimientos nacionalistas, anticoloniales y antirracistas hayan sido capitalistas, procapitalistas y sexistas, y que movimientos feministas hayan sido conniventes con el racismo, el colonialismo y el capitalismo. De este hecho histórico resulta claro que los avances serán escasos si la dominación continúa unida y la oposición desunida.

El segundo componente tiene que ver con el modo en que se organizaron las resistencias anticapitalistas, anticolonialistas y antipatriarcales. Trabajadores, campesinos, mujeres, personas esclavizadas, pueblos colonizados, pueblos indígenas, pueblos afrodescendientes, poblaciones discriminadas por la discapacidad o por la condición u orientación sexual recurrieron a muchas formas de lucha, unas violentas, otras pacíficas, unas institucionales, otras extrainstitucionales. A lo largo del siglo pasado, esas múltiples formas se fueron condensando en partidos políticos, movimientos de liberación y movimientos sociales, y, salvo algunas excepciones, fueron dando preferencia a la lucha institucional y no violenta. El régimen político que se impuso como la mejor respuesta a estas opciones fue la democracia de origen liberal, la democracia actualmente existente. Ocurre que la potencialidad de este tipo de democracia para responder a las aspiraciones de las poblaciones oprimidas siempre fue muy limitada y las limitaciones se fueron agravando en tiempos más recientes. El modelo que más desarrolló esa potencialidad fue la socialdemocracia europea, y su mejor momento (conseguido, en buena medida, a costa del colonialismo y el neocolonialismo, o sea, de las relaciones económicas desiguales con las colonias y las excolonias), está hoy bajo ataque, no solo en Europa, sino también en todos los países que buscaron imitar su espíritu moderadamente redistributivo para reducir las enormes desigualdades sociales (Argentina, Brasil, Venezuela).

En todas partes, la democracia de baja intensidad está siendo cercada por fuerzas antidemocráticas y, en algunos países, va transitando hacia dictaduras atípicas, muchas veces basadas en la destrucción de la separación de poderes (desde Brasil a Polonia y Turquía) o en la manipulación de los sistemas mayoritarios (fraude electoral sistemático, como en México, sistemas electorales que no garantizan la victoria del candidato más votado, como Hillary Clinton en Estados Unidos). Sabíamos que la democracia se defiende mal de los antidemócratas pues, de otro modo, Hitler no habría ascendido al poder por vía de las elecciones. Y nótese que, si bien de modo fraudulento, su partido ostentaba la palabra «socialismo» en su nombre. Hoy, la democracia está siendo secuestrada por fuerzas económicas poderosas (bancos centrales, Fondo Monetario Internacional, agencias de calificación de crédito) no sujetas a ninguna deliberación democrática. Y las imposiciones pueden ser legales (¿y legítimas?): intereses de deuda pública, imposición de tratados de libre comercio, políticas de austeridad, rules of engagement de las multinacionales, control corporativo de los grandes medios de comunicación; e ilegales: corrupción, tráfico de influencias, abuso de poder, infiltración en las organizaciones democráticas, incitación a la violencia.

La democracia es hoy servidora de los intereses imperiales, cuando no directamente uno de sus instrumentos. Para imponerla se destruyen países enteros, sean ellos Irak, Libia, Siria o Yemen. Está bien documentada la intervención imperialista para desestabilizar procesos democráticos dotados de algún ánimo redistributivo y animados por algún posicionamiento nacionalista para protegerse del mercado internacional depredador de recursos estratégicos, sean ellos petróleo, minerales o, de modo creciente, tierra o agua. Esta desestabilización se nutre siempre de los errores, a veces graves, de los gobiernos nacionales (algunos considerados progresistas) y cuenta con la activa complicidad de las oligarquías que dominaron estos países. La descaracterización de la democracia es tal que ya se habla hoy de posdemocracia, un nuevo régimen político basado en la conversión de los conflictos políticos en conflictos mediáticos minuciosamente gestionados por técnicos de publicidad y comunicación, y últimamente apoyados por la posverdad mediática de las fake news.

El tercer componente del diagnóstico tiene que ver precisamente con los errores de los gobiernos nacionales. ¿Por qué se equivocan con tanta frecuencia, sobre todo cuando son considerados gobiernos progresistas? Son muchos los factores: no hay alternativas anticapitalistas creíbles y las conquistas contra el colonialismo, el racismo o el sexismo parecen depender de que no interfieran con la dominación capitalista; una vez obtenido el poder de gobierno, las fuerzas progresistas se comportan como si tuviesen, además de aquel, el poder económico, social y cultural que se reproduce en la sociedad en general, y con eso deja de reconocerse la gravedad o incluso la existencia de antagonismo de clases, razas y sexos; las luchas contra el capitalismo, el colonialismo y el patriarcado son siempre concebidas como si se buscara eliminar los «excesos» de estos modos de dominación, y no su fuente. De tal «autocontención», voluntaria o impuesta, devienen dos consecuencias fatales.

La primera es tolerar o incluso promover un sistema de educación que fomenta los valores y las subjetividades que sustentan el capitalismo y las relaciones coloniales, racistas y sexistas. La segunda es negarse a imaginar (o ignorar cuando ocurren) formas alternativas de organizar la economía, concebir la democracia, organizar el Estado, practicar la dignidad humana, dignificar la naturaleza, promover formas de sentir y de ser solidarias, sustituir cantidades y gustos infinitos por la proporcionalidad, dejar de lado euforias desarrollistas en beneficio de límites justos y fruiciones comedidas, promover la diferencia y la diversidad con la misma intensidad con la que se promueve la horizontalidad. Al presentarse como fatales, estas dos consecuencias son inhumanas. Por la simple razón de que ser humano es no ser plenamente humano. Es no tener que ser para siempre lo que se es en un determinado contexto, tiempo o lugar.

(*) Traducción de Antoni Aguiló y José Luis Exeni Rodríguez

Fuente del Artículo:

https://www.aporrea.org/ideologia/a250852.html

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A esquerda sem imaginação

Por Boaventura de Sousa Santos

A dominação social, política e cultural é sempre o resultado de uma distribuição desigual do poder, nos termos da qual quem não tem poder ou tem menos poder vê as suas expectativas de vida limitadas ou destruídas por quem tem mais poder. Tal limitação ou destruição manifesta-se de várias formas, da discriminação à exclusão, da marginalização à liquidação física, psíquica ou cultural, da demonização à invisibilização. Todas esta formas podem-se reduzir a uma só – opressão. Quanto mais desigual é a distribuição do poder, maior é a opressão.

As sociedades com formas duradouras de poder desigual são sociedades divididas entre opressores e oprimidos. A contradição entre estas duas categorias não é lógica, é antes dialéctica, já que as duas categorias são ambas parte da mesma unidade contraditória. Os fatores que estão na base da dominação variam de época para época. Na época moderna, digamos, desde o século XVI, os três fatores principais têm sido: capitalismo, colonialismo e patriarcado. O primeiro é originário da modernidade ocidental, enquanto os outros dois existiram antes mas foram reconfigurados pelo capitalismo. A dominação capitalista assenta na exploração do trabalho assalariado por via de relações entre seres humanos formalmente iguais. A dominação colonial assenta na relação hierárquica entre grupos humanos por uma razão supostamente natural, seja ela a raça, a casta, a religião ou a etnia. A dominação patriarcal implica outro tipo de relação de poder mas igualmente assente na inferioridade natural de um sexo ou de uma orientação sexual.

As relações entre os três modos de dominação têm variado ao longo do tempo e do espaço, mas o fato de a dominação moderna assentar nos três é uma constante. Ao contrário do que vulgarmente se pensa, a independência política das antigas colônias europeias não significou o fim do colonialismo, significou apenas a substituição de um tipo de colonialismo (o colonialismo de ocupação territorial efetiva por uma potência estrangeira) por outros tipos (colonialismo interno, neocolonialismo, imperialismo, racismo, xenofobia, etc.).Vivemos hoje em sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais. Para ter êxito, a resistência contra a dominação moderna tem de assentar em lutas simultaneamente anticapitalistas, anticoloniais e antipatriarcais. Todas as lutas têm de ter como alvo os três fatores de dominação, e não apenas um, ainda que as conjunturas possam aconselhar que incidam mais num fator que noutro.

O século XX foi dos séculos mais violentos da história, mas também se caracterizou por muitas conquistas positivas: dos direitos sociais e econômicos dos trabalhadores à libertação e independência das colônias, dos movimentos dos direitos cívicos das populações afrodescendentes nas Américas às lutas das mulheres contra a discriminação sexual. No entanto, apesar dos êxitos, os resultados não são brilhantes. Nas primeiras décadas do século XXI atravessamos mesmo um período de refluxo generalizado de muitas das conquistas dessas lutas. O capitalismo concentra a riqueza mais do que nunca e agrava a desigualdade entre países e no interior de cada país; o racismo, o neocolonialismo e as guerras imperiais assumem formas particularmente excludentes e violentas; o sexismo, apesar de todos os êxitos dos movimentos feministas, continua a causar a violência contra as mulheres com uma persistência inabalável.

Um diagnóstico correto é a condição necessária para sairmos deste aparente curto-circuito histórico. Sugiro vários componentes principais do diagnóstico. O primeiro reside em que, enquanto a dominação moderna articula sempre capitalismo com colonialismo e patriarcado, as organizações e os movimentos que vêm lutando contra ela têm sempre estado divididas, cada uma delas privilegiando um dos modos de dominação e negligenciando, ou mesmo ignorando, os outros, e cada uma delas defendendo que a sua luta e o seu modo de luta é o mais importante. Não surpreende assim que muitos partidos socialistas e comunistas, que lutaram (quando lutaram) contra a dominação capitalista, tenham sido durante muito tempo colonialistas, racistas e sexistas. Do mesmo modo, não surpreende que movimentos nacionalistas, anticoloniais e antirracistas tenham sido capitalistas ou pró-capitalistas e sexistas, e que movimentos feministas tenham sido coniventes com o racismo, o colonialismo e o capitalismo. Deste fato histórico resulta claro que os avanços serão escassos se a dominação continuar unida e a oposição a ela, desunida.

O segundo componente tem a ver com o modo como se organizaram as resistências anticapitalistas, anticolonialistas e antipatriarcais. Trabalhadores, camponeses, mulheres, escravizados, povos colonizados, povos indígenas, povos afrodescendentes, populações discriminadas pela deficiência ou pela orientação sexual recorreram a muitas formas de luta, umas violentas outras, pacíficas, umas institucionais outras, extra-institucionais. Ao longo do século passado essas múltiplas formas foram-se condensando em partidos políticos, movimentos de libertação e movimentos sociais, e, com algumas exceções, foram dando preferência à luta institucional e não violenta. O regime político que se impôs como dando a melhor resposta a estas opções foi a democracia de origem liberal, a democracia atualmente existente. Acontece que a potencialidade deste tipo de democracia para corresponder às aspirações das populações oprimidas sempre foi muito limitada e as limitações foram-se agravando em tempos mais recentes.

O tipo que mais desenvolveu essa potencialidade foi a social-democracia europeia, e o seu melhor momento (conseguido, em boa medida, à custa do colonialismo e neocolonialismo, ou seja, das relações econômicas desiguais com as colônias e as ex-colônias), está hoje sob ataque, não só na Europa, como também em todos os países que procuraram imitar o seu espirito moderadamente redistributivo para reduzir as enormes desigualdades sociais (Argentina, Brasil, Venezuela). Por todo o lado, a democracia de baixa intensidade que ainda existe está sendo cercada por forças antidemocráticas e, nalguns países, vai transitando para ditaduras atípicas, muitas vezes assentes na destruição da separação dos poderes (do Brasil à Polônia e à Turquia) ou na manipulação dos sistemas majoritários (fraude eleitoral sistemática, como no México, sistemas eleitorais que não garantem a vitória ao candidato mais votado, como nos EUA). Sabíamos que a democracia se defende mal dos antidemocratas pois, doutro modo, Hitler não teria ascendido ao poder por via de eleições. Mas note-se que, ainda que de modo fraudulento, o seu partido ostentava a palavra “socialismo” no seu nome.

Hoje, a democracia está a ser sequestrada por forças econômicas poderosas (Bancos Centrais, Fundo Monetário Internacional, agências de avaliação de crédito) não sujeitas a qualquer deliberação democrática. E as imposições podem ser legais (e legítimas?): juros de dívida pública, imposição de tratados de “livre” comércio, políticas de austeridade, rules of engagement das multinacionais, controle corporativo dos grande meios de comunicação social; e ilegais: corrupção, tráfico de influências, abuso de poder, infiltração nas organizações democráticas, incitamento à violência. A democracia é hoje subserviente dos interesses imperiais, senão mesmo um dos seus instrumentos. Para a impor destroem-se países inteiros, sejam eles o Iraque, a Líbia, a Síria, o Yemen. Está bem documentada a intervenção imperialista para desestabilizar processos democráticos dotados de algum ânimo redistributivo e animados de algum defensismo nacionalista para proteger do mercado internacional predador de recursos estratégicos, sejam eles petróleo, minérios ou, crescentemente, terra ou água. Esta desestabilização nutre-se sempre dos erros, por vezes graves, dos governos nacionais (alguns considerados progressistas) e conta com a ativa cumplicidade das oligarquias que dominaram estes países. A descaracterização da democracia é tal que já se fala hoje de pós-democracia, um novo regime político assente na conversão dos conflitos políticos em conflitos mediáticos minuciosamente geridos por técnicos de publicidade e comunicação e ultimamente apoiados pela pós-verdade mediática das fake news.

O terceiro componente do diagnóstico diz precisamente respeito aos erros dos governos nacionais. Porque erram tão frequentemente, sobretudo quando considerados progressistas? São muitos os fatores: não há alternativas anticapitalistas credíveis e as conquistas contra o colonialismo, o racismo ou o sexismo parecem depender de não interferirem com a dominação capitalista; uma vez com poder de governo, as forças progressistas comportam-se como se tivessem, além dele, o poder econômico, social e cultural que se reproduz na sociedade em geral, e com isso deixa de se reconhecer a gravidade ou mesmo a existência de antagonismo de classes, de raças e de sexos. As lutas contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado são sempre concebidas como visando eliminar os “excessos” destes modos de dominação, e não a sua fonte. Desta “autocontenção”, voluntária ou imposta, decorrem duas consequências fatais.

A primeira é tolerar ou mesmo promover um sistema de educação que promove os valores e as subjetividades que sustentam o capitalismo e as relações coloniais, racistas e sexistas. A segunda é recusar imaginar (ou ignorar quando ocorrem) formas alternativas de organizar a economia, conceber a democracia ou organizar o Estado, praticar a dignidade humana e dignificar a natureza, promover formas de sentir e de ser solidárias, substituir quantidades e gostos infinitos pela proporcionalidade, deixar de lado euforias desenvolvimentistas em benefício de limites justos e fruições comedidas, promover a diferença e a diversidade com a mesma intensidade com que se promove a horizontalidade. Ao apresentarem-se como fatais, estas duas consequências são desumanas. Pela simples razão de que ser humano é não ser ainda plenamente humano. É não ter de ser para sempre o que se é num dado contexto, tempo ou lugar.

Imagem: Edward Hooper, Pessoas ao sol (1963)

Fonte das Notícias:

http://jornalggn.com.br/noticia/a-esquerda-sem-imaginacao-por-boaventura-de-sousa-santos

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Para una Sociología de las Emergencias

Por: Boaventura de Sousa Santos.

Los seres humanos viven dentro y fuera de la historia. Esto es lo que los distingue de los animales no humanos. Hacemos historia en la medida en que resistimos a lo que la historia hace de nosotros. Vivimos lo que ya fue vivido (el pasado nunca pasa o desaparece) y lo que aún no ha sido vivido (el futuro es vivido como anticipación de lo que en realidad nunca será vivido por nosotros).

Entre el presente y el futuro hay un hiato o un vacío sutil, que permite reinventar la vida, romper rutinas, dejarse sorprender por nuevas posibilidades, afirmar, con la convicción del poeta portugués José Régio, “no voy por ahí”. Lo que irrumpe es siempre una interrupción. La vida es la constante recreación de la vida. De otro modo, estaríamos condenados a la Rebelión en la granja de la que habla George Orwell, a vivir en el pantano de solo poder pensar lo que ya fue pensado.

En este sentido, podemos afirmar que la forma de capitalismo que hoy domina, popularmente conocida como neoliberalismo, al inculcar con creciente agresividad que no hay alternativa al capitalismo y al modo de vida que impone, configura una propuesta necrodependiente, una economía de muerte, una sociedad de muerte, una política de muerte, una convivencia de muerte, un vicio de ver en la muerte ajena la prueba más convincente de que estamos vivos. Los daños que esta propuesta está causando son hoy evidentes. La imaginación y la creatividad que hacen posible la vida están siendo secuestradas por las fuerzas necrodependientes. A pesar de que todo lo que existe en la historia tiene un principio y un fin, resulta hoy difícil imaginar que el capitalismo, que tuvo un principio, tenga fin. Si tal dificultad se presenta como un obstáculo insalvable, habremos desistido de salir de la historia para hacer historia, habremos firmado los papeles para entrar en la granja de animales de Orwell.

La dificultad es superable, pero para ello es necesario des-pensar mucho de lo que hasta ahora ha sido pensado como cierto y perenne, sobre todo en el Norte global (Europa y América del Norte). El primer des-pensamiento consiste en aceptar que la comprensión del mundo es mucho más amplia y diversificada que la comprensión occidental del mundo. Entre los mejores teóricos del pensamiento eurocéntrico de la transición del siglo XIX al siglo XX, hubo siempre una gran curiosidad por el mundo extraeuropeo –de Schopenhauer a Carl Jung, de Max Weber a Durkheim– pero siempre estuvo orientada a comprender mejor la modernidad occidental y a mostrar su superioridad. No hubo nunca el propósito de apreciar y valorar en sus propios términos las concepciones del mundo y de la vida que se habían desarrollado fuera del alcance del mundo eurocéntrico, y que divergían de él. En total consonancia con el momento culminante del imperialismo europeo (la Conferencia de Berlín de 1884-85 fijó las bases del reparto colonial de África entre las potencias europeas), todo lo que no coincidía con la cosmovisión eurocéntrica dominante era considerado atrasado y peligroso y, según los casos, objeto de catequización, represión, asimilación. La fuerza de esta idea residió siempre en la idea de la fuerza de los cañones y del comercio desigual que la impusieron. En el momento en que el mundo eurocéntrico da evidentes signos de agotamiento intelectual y político, se abre la oportunidad para apreciar la diversidad cultural, epistemológica y social del mundo y hacer de ella un campo de aprendizajes que hasta ahora ha sido bloqueado por el prejuicio colonial del Norte global: el prejuicio de, por ser más desarrollado, no tener nada que aprender con el Sur global.

El segundo des-pensamiento es que esa diversidad es infinita y no puede ser captada por ninguna teoría general, por ningún pensamiento único global capaz de abarcarla adecuadamente. Los saberes que circulan por el mundo son infinitos. La aplastante mayoría de la población mundial gestiona su vida cotidiana según preceptos y sabidurías que difieren del saber científico, que consideramos el único válido y riguroso. La ciencia moderna es tanto más preciosa cuanto más se disponga a dialogar con otros conocimientos. Su potencial es tanto mayor cuanto más consciente sea de sus límites. Del reconocimiento de esos límites y de la disponibilidad al diálogo emergen ecologías de saberes, constelaciones de conocimientos que se articulan y enriquecen mutuamente para, a partir de una mayor justicia cognitiva (justicia entre saberes), permitir que se reconozca la existencia y el valor de otros modos de concebir el mundo y la naturaleza y de organizar la vida que no se basan en la lógica capitalista, colonialista y patriarcal que ha sostenido el pensamiento eurocéntrico dominante. No hay justicia social global sin justicia cognitiva global. Solo así será posible crear la interrupción que permita imaginar y realizar nuevas posibilidades de vida colectiva, identificar alternativas reprimidas, desacreditadas, invisibilizadas, que, en su conjunto, representan un fatal desperdicio de experiencia.

De ahí surge el tercer des-pensamiento: no necesitamos alternativas, sino un pensamiento alternativo de alternativas. Ese pensamiento, en sí mismo internamente plural, busca reconocer y valorizar experiencias que apuntan hacia formas de vida y de convivencia que, pese a ser poco familiares o apenas embrionarias, configuran soluciones para problemas que afligen cada vez más nuestra vida colectiva, como por ejemplo los problemas ambientales. Tales experiencias constituyen emergencias y solo un pensamiento alternativo será capaz, a partir de ellas, de construir una sociología de las emergencias. Consideremos el siguiente ejemplo.

La naturaleza como ser vivo digno

El 15 de marzo de este año, el Parlamento de Nueva Zelanda aprobó una ley que confiere personalidad jurídica y derechos humanos al río Whanganui, considerado por los maoríes un río sagrado, un ser vivo que asumen como su antepasado. Tras 140 años de lucha, los maoríes consiguieron obtener la protección jurídica que buscaban: el río deja de ser un objeto de propiedad y de gestión para ser un sujeto de derechos con nombre propio, que debe ser protegido como tal. A los ojos de la concepción eurocéntrica de la naturaleza, basada en la filosofía de Descartes, esta solución jurídica es una aberración. Un río es un objeto natural y como tal no puede ser sujeto de derechos. Fue precisamente en estos términos que la oposición conservadora cuestionó al primer ministro neozelandés. Si un río no es un ser humano, no tiene cabeza, ni tronco, ni piernas, ¿cómo se le puede atribuir derechos humanos y personalidad jurídica? La respuesta del primer ministro fue dada en forma de contrapregunta. ¿Y una empresa, tiene cabeza, tiene tronco, tiene piernas? Si no los tiene, ¿cómo es tan fácil para nosotros atribuirle personalidad jurídica?

Lo que está ante nosotros es la emergencia del reconocimiento jurídico de una entidad a la que subyace una concepción de naturaleza diferente de la concepción cartesiana que la modernidad occidental naturalizó como la única concepción posible. Inicialmente, esta concepción estaba lejos de ser consensual. Basta recodar a Spinoza, su distinción entre natura naturata y natura naturans, y su teología basada en la idea Deus sive natura (Dios, o sea, la naturaleza). La concepción spinozista tiene afinidades de familia con la concepción de naturaleza de los pueblos indígenas, no sólo en Oceanía sino también en las Américas. Estos últimos consideran la naturaleza como Pachamama, Madre Tierra, y defienden que la naturaleza no nos pertenece: nosotros pertenecemos a la naturaleza. La concepción spinozista fue suprimida porque solo la concepción cartesiana permitía concebir a la naturaleza como un recurso natural, transformarla en un objeto incondicionalmente disponible para la explotación de los humanos. Al final esta era una de las grandes razones, sino la mayor razón, de la expansión colonial, y la mejor justificación para la apropiación no negociada y violenta de las riquezas del Nuevo Mundo. Y para que la apropiación y la violencia fuesen plenas, los propios pueblos indígenas fueron considerados parte de la naturaleza. Fue necesaria una encíclica papal (Sublimis Deus, del Papa Paulo III en 1537) para garantizar que los indios tenían alma, una garantía menos generosa de lo que puede parecer, toda vez que se destinaba a justificar la evangelización (si los indios no tuviesen alma, ¿cómo pretender salvarlos?).

La novedad jurídica venida de Nueva Zelanda tiene precedentes. La Constitución Política de Ecuador de 2008 establece en su artículo 71 que la naturaleza, concebida como Madre Tierra, es un sujeto de derechos. Y una semana después de la promulgación de la ley neozelandesa, el Tribunal Supremo del Estado de Uttarakhand de la India decidió que los ríos Ganges y su afluente Yamuna son “entidades humanas vivas”. Llevadas a la práctica, estas decisiones están lejos de ser triviales. Significan, por ejemplo, que las empresas que contaminan un río cometen un ilícito criminal y la indemnización a que quedan obligadas será inmensamente superior a las que pagan hoy (cuando pagan). Ya en 1944 Karl Polanyi recordaba en su obra maestra, La gran transformación, que si las empresas capitalistas tuviesen que indemnizar adecuadamente todos los daños que causan a los seres humanos y a la naturaleza, dejarían de ser rentables.

Estas innovaciones jurídicas no surgen de concesiones generosas de las clases dominantes y las elites eurocéntricas. Son la culminación de procesos de lucha de larga duración, luchas de resistencia contra la explotación capitalista y colonial, impuesta como imperativo de modelos de desarrollo que, previsiblemente, solo benefician a los explotadores. Su carácter de emergencia reside en el hecho de ser gérmenes de otra relación entre humanos y naturaleza que puede ser potencialmente decisiva para resolver los graves problemas ambientales que afrontamos. Son emergencias porque sirven no solamente a los intereses de los grupos sociales que las promueven, sino también a los intereses globales de la población mundial ante problemas como el calentamiento global y las dramáticas consecuencias que de ello derivan. Para darles a estas emergencias el crédito que merecen, no podemos apoyarnos en el pensamiento eurocéntrico hegemónico. Necesitamos un pensamiento alternativo de alternativas, al que vengo denominando epistemologías del Sur.

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