Fuente Carta Maior / 16 de Abril de 2016
« Aux armes, citoyens », grito revolucionário da Marselhesa, vem sendo posto em prática na França, sem as armas de guerra mas com muito verbo e muita reflexão do que é ser cidadão no século XXI.
Desde que o presidente Hollande resolveu mexer nas leis trabalhistas para se adaptar a um mundo em que o capital ganha dia a dia a luta contra o trabalho, os franceses disseram « não » com as armas que têm : o protesto nas ruas, as paralisações e muito debate em torno desse novo projeto de lei e do modelo de sociedade que desejam.
Grande parte da esquerda francesa não reconhece em François Hollande um representante dos ideais socialistas. O presidente esqueceu a maioria de suas promessas de campanha, se associou a interesses do patronato, vendeu armas a ditadores e regimes totalitários e fomentou guerras como um chefe guerreiro.
Quando o velho intelectual Stéphane Hessel lançou, em 2010, seu livro « Indignez-vous » – um grito de indignação com o aumento das desigualdades e injustiças em uma França cada vez mais rica – o opúsculo tornou-se um best-seller mundial.
Hoje, o grito « indignez-vous » começa a fazer eco com o movimento « Nuit debout », o mais novo « ovni » do cenário político francês.
Os jovens, que se veem como os principais prejudicados pelo projeto de lei –defendido pelo governo e pelo patronato – revolveram passar as noites na Place de la République a debater sobre o que querem mudar e como. « Nuit debout », que já dura mais de 12 dias, foi assim batizado porque é no fim do dia que são realizadas as assembléias.
Outras cidades francesas imediatamente aderiram e criaram suas « Nuit debout » para propor novas formas de fazer política. Muitos dos participantes são ex-eleitores de François Hollande decepcionados com o governo do socialista.
Assembléias do povo
A indignação com a política tradicional chegou junto com os protestos de rua contra a Loi travail ou Loi El Khomri (nome da ministra do trabalho). As reformas na atual lei trabalhista francesa foram pessimamente acolhidas tanto por sindicatos quanto por estudantes, que já desceram às ruas em diversas manifestações gigantescas, em Paris e em diversas cidades do país.
O « Nuit debout » foi precedido por outros movimentos mundiais em que cidadãos indignados ocuparam praças e reivindicaram mais voz nas decisões políticas. O livro de Hessel estava na gênese dos « indignados » na Espanha, origem do partido Podemos, assim como do movimento Occupy Wall Street, contestação pacífica contra os abusos do capitalismo financeiro.
No « Nuit debout » todos podem se expressar, depois de inscritos para fazer propostas, como numa assembléia totalmente democrática. Seus participantes reivindicam um movimento espontâneo, que procura novos caminhos para exercer seus ideais de justiça social. Não pretendem se associar a partidos políticos com receio de serem engolidos por interesses partidários.
Isso não impediu que muitos políticos de esquerda fossem escutar as reivindicações e encontrar os indignados franceses na Place de la République. Jean-Luc Mélenchon, candidato à presidência pelo Parti de Gauche foi ver. Assim como o secretário-geral do Partido Comunista, Pierre Laurent.
« Este é a primeira coisa interessante que se criou nos últimos anos », disse ao « Le Monde » o secretário-geral do partido Europe Écologie-Les Verts (EELV). Para ele, o movimento jogou um cheiro de naftalina nos corpos intermediários do universo político francês, os sindicatos e partidos políticos.
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meireles de Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar (Editora Civilização Brasileira). Em junho, pela mesma editora, a autora lança « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ».